Crise educacional: os problemas da evasão escolar
Por: Hayana Donati Ribas
A evasão escolar tem se tornado uma preocupação cada vez maior no Brasil, comprometendo o futuro de milhões de crianças e jovens em todo o país. Dados recentes revelam uma tendência alarmante de aumento no número de estudantes que abandonaram as salas de aula nos últimos anos.
Esse é um fenômeno que já existe há décadas e afeta o sistema educacional brasileiro, além disso, continua sendo um desafio persistente que compromete o futuro de milhões de crianças e jovens em todo o país.
Um estudo recente conduzido pelo Instituto de Pesquisa e Consultoria Estratégica (Ipec) trouxe à tona uma preocupante realidade: em 2022, um número impressionante de mais de 2 milhões de adolescentes, com idades entre 11 e 19 anos, deixaram o ensino básico no Brasil.
Os resultados da pesquisa são ainda mais assustadores ao evidenciar que a evasão escolar atinge principalmente os grupos mais vulneráveis da sociedade. Enquanto nas classes sociais mais privilegiadas, representadas pela classe A e B, o índice de evasão é de apenas 4%, nas classes D e E essa cifra alarmante chega a 17%, ou seja, é quatro vezes maior.
Dentre os jovens que abandonaram os estudos, 48%, quase metade, afirmaram que tiveram que abrir mão da educação para ingressar no mercado de trabalho e auxiliar na renda familiar, revelando uma triste realidade econômica que força esses jovens a abandonarem seus planos e metas acadêmicas.
Além disso, um número surpreendente de 30% dos entrevistados mencionaram dificuldades de aprendizado como motivo para abandonar a escola, citando a incapacidade de acompanhar as atividades ou explicações oferecidas.
Na lista de motivos que impulsionam essa preocupante evasão, destacam-se também questões como a falta de acesso a transporte adequado para chegar à escola, apontada por 18% dos jovens, gravidez precoce, equivalente a 14% dos casos, bem como os desafios enfrentados por aqueles com deficiências (9%) e casos de racismo (6%), entre outros fatores preocupantes.
Otávio Augusto Pedrotti de Oliveira, de 19 anos, conta que abandonou a escola no segundo ano do ensino médio. O jovem decidiu parar com os estudos quando percebeu que no turno em que estava na escola poderia estar trabalhando e recebendo o próprio salário, e dessa forma ajudar nas despesas da casa que dividia com a família. Além disso, na época ele acreditava que o currículo escolar não estava alinhado com seus interesses pessoais.
Questionado sobre se em algum momento ele sentiu uma falta de incentivo ou orientação adequada por parte dos educadores e até mesmo de sua família e amigos para não abandonar os estudos, ele respondeu: “Foi ao contrário. Na verdade, todo mundo disse que eu deveria continuar estudando, que eu não devia sair, os professores me aconselharam bastante, mas não adiantou, eu não ouvi ninguém”.
Entre os principais desafios que o jovem sentiu após abandonar a escola, o principal foi a dificuldade de achar um emprego, muitas empresas e contratantes preferiam trabalhar com pessoas que tinham concluído seus estudos. Por isso, o jovem confessa que hoje ele se arrepende de sua decisão.
Arrependido, conta que está em busca de concluir seus estudos. Além de fazer cursos educacionais, está inscrito para fazer o Encceja 2023, Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos Ao conseguir alcançar as notas necessárias em todas as competências do exame, o jovem receberá a certificação de ensino médio, e, dessa forma, terá concluído seus estudos.
“Meu conselho para estudantes que estão enfrentando dificuldades e pensando em abandonar os estudos, é que não pare, não abandone. […] Eu, por exemplo, agora estou sofrendo com a pressão do trabalho, todas às vezes que eu vou pedir aumento de salário, meus patrões alegam que não podem me dar, afinal, eu não tenho ensino médio completo. […] Eu estou voltando a estudar por causa disso, no fim não valeu a pena eu ter parado de estudar, porque eu preciso do estudo até para valorizarem o meu serviço.”
A evasão escolar é um desafio que afeta não apenas os grandes centros urbanos, mas também os municípios pequenos, de menor índice populacional. No entanto, as dinâmicas desse fenômeno podem variar significativamente entre esses dois contextos. Enquanto nas cidades grandes a evasão escolar pode estar relacionada a questões socioeconômicas complexas, como pobreza, violência e falta de acesso a oportunidades, nos municípios menores, outros fatores podem desempenhar um papel fundamental, como a falta de estrutura educacional adequada, falta de recursos e até mesmo o êxodo rural.
A Secretaria de Educação de Joinville (SED), cidade com 616.323 habitantes, disponibilizou dados sobre a evasão escolar na cidade dos últimos quatro anos (2019-2022), a tabela analisa o número de abandono escolar de alunos do ensino fundamental. Os números de abandonos dos últimos anos eram muito maiores em 2021 quando comparados ao ano de 2022.
Outro ponto interessante é que 2020 foi o ano em que menos alunos deixaram de estudar, provavelmente isso foi uma consequência da pandemia. No ano, todas as escolas do mundo foram interditadas e os alunos passaram a realizar atividades de casa. Além disso, em 2021, ano em que as escolas voltaram a funcionar, os números crescem de maneira bastante alarmante, nos anos finais principalmente (7º, 8º e 9º), podemos observar um aumento de mais de 300% de infrequência escolar.
A SED ainda esclareceu que todos os casos de infrequência escolar são alvo de intervenções de busca ativa das unidades escolares, e quando não há êxito na unidade escolar são encaminhados ao Conselho Tutelar. Além disso, as ações seguem o protocolo estabelecido pelo Ministério Público de Santa Catarina, conforme o programa APOIA. Confira a tabela completa abaixo:
Contudo, a quase 700 quilômetros de distância de Joinville, atravessando a ponte do rio Uruguai que faz divisa entre os estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul, chegamos a um pequeno município chamado Chapada. Lá as taxas de abandono escolar são bastante diferentes das de Joinville. Talvez por ser um município pequeno de 10.000 habitantes, o controle do abandono escolar é fácil de dominar.
Em Chapada, o órgão que têm as informações sobre as taxas de abandono escolar é o Conselho Tutelar. Os responsáveis assim como a Secretaria de Joinville também disponibilizaram os dados de evasão escolar no município nos últimos quatro anos (2019-2022). Em 2020, ano da pandemia, apenas seis alunos abandonaram as escolas, já em 2021, somente dois alunos foram vítimas da evasão escolar. Em contrapartida, em 2022, as taxas tiveram um aumento bastante alarmante, no final do ano 62 alunos haviam deixado suas instituições.
O órgão responsável esclarece que os dados são de escolas municipais e estaduais do município, e do ensino fundamental, bem como do ensino médio. Além disso, explicam que a evasão escolar gera a Ficha de Comunicação de Aluno Infrequente (Ficai), a ficha é gerada a partir de cinco faltas consecutivas ou 20% de ausências injustificadas mensais. De acordo com os responsáveis por inspecionar o problema, a maioria dos casos de evasão escolar são de adolescentes que vão à procura de trabalho, e, alguns outros casos, são de gravidez na adolescência.
O gráfico abaixo mostra dados do abandono escolar no município nos últimos quatro anos:
Como esclarecido pelo órgão, a gravidez é um dos principais motivos de abandono escolar entre as meninas moradoras do município, esse é o caso de Rosângela Aparecida Policeno, de 39 anos. Quando estava concluindo o ensino fundamental (9º ano), engravidou e decidiu parar de estudar para se dedicar aos cuidados com o filho. Após esse período, tentou retornar para a escola três vezes, mas não conseguiu concluir o primeiro ano do ensino médio e decidiu desistir de vez, ela diz que na época sua prioridade era seu filho.
“Eu tinha uma criança para cuidar, minha prioridade sempre foi meu filho. Depois de um filho sua realidade muda, eu não me arrependo, mas claro, podia ter tomado outras decisões, colocado ele na creche, deixado com alguém durante o dia, mas na época eu era muito nova e queria cuidar dele sozinha”.
Apesar de ter passado por uma fase conturbada e ter abandonado os estudos, anos depois, Rosângela começou a trabalhar como auxiliar de serviços gerais em uma escola no município, ela conta que os professores da escola a incentivaram a concluir seus estudos por meio do Encceja.
No início não acreditava que seria capaz de passar no exame, mas conta que os professores começaram a lhe ajudar. Alguns deles lhe deram aulas como de matemática e português, e sempre a motivaram para realizar a prova. Rosângela conta que mesmo depois de muito estudo e dedicação foi realizar a avaliação descrente de sua aprovação, mas para sua surpresa passou em todas as áreas da avaliação.
“Eu devo a eles tudo isso, se eles não tivessem me ajudado eu nem iria atrás disso, nem saberia que era possível concluir meus estudos. As professoras sempre estavam dispostas a me ajudar a estudar, elas me apoiaram muito”, […] Eu fui fazer a prova do Encceja e ainda assim eu achava que não ia conseguir, era muita coisa para aprender, mas, graças a Deus eu passei em todas as matérias na primeira vez, nem precisei fazer a prova mais vezes”.
Ela ainda diz que é muito grata por todo o apoio que recebeu de seus colegas, e que hoje ainda trabalha na escola e incentiva os alunos a continuarem estudando.
“Eu continuo trabalhando na escola, e sempre incentivo os alunos a continuarem estudando, porque depois que você desiste não é fácil, qualquer vaga de emprego que você se candidata a primeira coisa que pedem é ensino médio completo.”
A evasão escolar traz consequências profundas e graves, que afetam não somente a vida dos jovens, mas também a sociedade como um todo. Estudantes que abandonam a escola enfrentam um futuro incerto, com maiores chances de desemprego, baixa qualificação profissional e envolvimento em atividades ilegais. Além disso, o Brasil enfrenta o risco de perpetuar um ciclo de pobreza e desigualdade, já que a educação é fundamental para a formação de cidadãos mais preparados e capazes de contribuir para o desenvolvimento do país.
A diretora do Instituto Estadual de Educação Júlia Billiart, Maria Raquel Zimmer, de 46 anos, pondera sobre as principais consequências da evasão escolar para os alunos que abandonam os estudos: “A evasão escolar afeta a vida dos jovens, deixando lacunas na aquisição de conhecimentos básicos, bem como na formação geral para a vida adulta, além de não possuir a certificação escolar do Ensino Básico Regular.”
Ela também fala um pouco sobre o impacto da evasão para a equipe escolar, como os professores e equipe diretiva são impactados, como a evasão interfere no ambiente escolar e no clima organizacional da instituição:
“De certa forma, gera uma impotência enquanto instituição, que apesar de todas as tentativas realizadas não foi possível convencer o estudante a frequentar assiduamente a escola e assegurar a sua permanência. Em relação ao clima organizacional, gera preocupação e frustração no sentido de não conseguir manter todos os estudantes em idade escolar na escola, pela vontade própria de estar ali e com interesse pelos conhecimentos.”
Além disso, a diretora esclarece sobre quais são as medidas adotadas pela escola para prevenir a evasão escolar e promover a permanência dos alunos na instituição: “Acolhimento afetuoso dos estudantes e familiares, acompanhamento da frequência escolar, diálogo com os discentes e responsáveis sobre a importância de frequentar a escola e a construção do conhecimento e da formação para vida. Em caso de não conseguir reverter o abandono, após esgotadas todas as tentativas, é encaminhada a Ficha Ficai.”
Enfrentar o desafio da evasão escolar requer ações conjuntas e contínuas por parte do governo, instituições de ensino e sociedade civil. É fundamental investir na melhoria da infraestrutura das escolas, na formação e valorização dos professores, na implementação de programas de combate à violência nas comunidades e na promoção de políticas públicas que garantam o acesso universal à educação de qualidade, para, dessa forma, evitar que mais jovens sejam excluídos do sistema educacional brasileiro.
Além disso, é essencial promover uma conscientização coletiva sobre a importância da educação como um direito fundamental de cada criança e jovem, combatendo a evasão escolar e oferecendo às novas gerações as oportunidades que elas merecem.