Primavera 2023: o Efeito do EL NIÑO
Por: Luiza Rodrigues
A chegada oficial da primavera no hemisfério sul está marcada para o dia 23 de setembro às 03h50min. No entanto, este ano reserva uma diferença notável: a presença do fenômeno climático conhecido como El Niño.
O Que é o El Niño?
O El Niño é um fenômeno climático caracterizado pelo aquecimento anormal das águas superficiais e sub-superficiais do Oceano Pacífico Equatorial. De acordo com o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), o El Niño pode desencadear mudanças nas pressões atmosféricas e no sistema de temperaturas do oceano Oscilação Sul.
Como o El Niño Impacta a Previsão desta Primavera?
Neste cenário, a previsão aponta para uma primavera em Santa Catarina que será caracterizada por chuvas mais frequentes e intensas, impulsionadas pelo El Niño. A Associação Catarinense de Meteorologia destaca que o ápice desse fenômeno ocorrerá durante essa estação, resultando em precipitações acima da média, ocorrência de eventos extremos e condições propícias para o desenvolvimento de tempestades. Durante o mês de setembro, a circulação atmosférica sobre a América do Sul direcionará massas de ar quente e úmido para a Região Sul do Brasil, com a perspectiva de chuvas acima do padrão histórico em Santa Catarina. Isso traz consigo um aumento do risco de eventos climáticos extremos, como chuvas intensas em curtos intervalos, temporais com atividade elétrica intensa, queda de granizo e ventos fortes. Durante essa estação, espera-se também a predominância de nebulosidade na maior parte dos dias.
De acordo com o IMET, os ciclones extratropicais vão atuar com frequência entre o litoral da Argentina, Uruguai e Sul do Brasil trazendo perigo às embarcações, com ventos fortes e mar agitado, que muitas vezes resultam em ressaca. Ressalta-se que o fenômeno El Niño intensifica os ciclones extratropicais.
Riscos e Preparativos
Em Santa Catarina, conhecida por sua topografia única, o risco de inundações e deslizamentos é ampliado, exigindo preparação e atenção redobradas.
Vale ressaltar que episódios similares no passado, como no verão de 2015, resultaram em consequências prejudiciais para a população.
A previsão de chuvas acima da média climatológica aumenta o risco de eventos extremos, como chuvas intensas, granizo, ventanias e tempestades elétricas. A Defesa Civil de Santa Catarina destaca a importância de se preparar para possíveis desastres, investindo em melhorias na infraestrutura urbana, como sistemas de drenagem e limpeza. A curto prazo, o coordenador de Monitoramento e Alerta, Frederico Rudorff, cita aperfeiçoamentos dos sistemas de drenagem e limpeza urbana.
El Niño e o Surf
Os surfistas também sentirão os efeitos do El Niño na primavera de 2023. O aumento da temperatura da superfície do mar influenciará as condições das ondas e do surf, trazendo swells maiores e mais intensos. No entanto, é importante lembrar que o fenômeno pode tornar o ambiente aquático mais desafiador, os surfistas devem enfrentar a força da natureza com respeito e conhecimento.
Embora especulações sobre um “Super El Niño” estejam em pauta, a comunidade científica pede cautela, a doutora em Meteorologia Alice Grimm, abordou durante um workshop em Florianópolis a necessidade de cuidado ao classificá-lo como “super”, destacando que as previsões até o momento não respaldam essa afirmação.
Embora o El Niño seja frequentemente associado a problemas climáticos, ele interage com outros sistemas meteorológicos menores em Santa Catarina, como ciclones extratropicais e circulação marítima, que por si só podem causar condições climáticas extremas.
Impactos Climáticos Globais
Além dos efeitos locais, o El Niño também está ligado a mudanças climáticas globais. A Terra já enfrenta um aumento gradual da temperatura média, e o El Niño pode intensificar ainda mais esse cenário. Cientistas alertam que um El Niño mais intenso pode contribuir para um aumento de 1,5°C na temperatura média global, o que traria impactos catastróficos, como ondas de calor e inundações devastadoras.
Sobre o nome
Os pescadores do Peru e Equador deram a esse fenômeno o nome de “Corriente de El Niño”, em referência ao Menino Jesus, devido à presença de águas mais quentes. É um processo complexo que desencadeia um efeito dominó na atmosfera e, consequentemente, em nosso clima.
Super El Niño?
É cedo, porém, para chamar o El Niño de “super”, defende uma das maiores especialistas da área. As explicações foram dadas pela doutora em Meteorologia Alice Grimm durante um workshop sobre o tema, promovido em Florianópolis nesta semana. Ela, que estuda o El Niño desde a década de 1980, disse que é preciso cuidado ao afirmar que o fenômeno será um dos piores já registrados. Isso porque, até o momento, boa parte das previsões não mostram isso.
O que a comunidade científica já divulga, com base em outros eventos do mesmo tipo e nas previsões mais recentes para o trimestre, é que no primeiro ano do fenômeno é esperado uma primavera com chuvas mais frequentes na região Sul.
Como a chuva será acima da média de forma gradual, segundo meteorologistas da Epagri/Ciram e de outros órgãos, o “pico” fica para novembro. Se fossem chuvas bem distribuídas não haveria tanto problema, mas os estudos mostram que o El Niño impacta mais a frequência dos eventos extremos. Pintado como “vilão” do clima em regiões castigadas pela chuva, como o Vale do Itajaí, o El Niño não age sozinho. Santa Catarina é rota de sistemas meteorológicos menores que isolados já são capazes de “fechar o tempo”, como os ciclones extratropicais e a circulação marítima. Por isso, eventos extremos podem acontecer a qualquer momento.
A primavera de 2023 pode ser marcada por chuvas acima da média em algumas áreas do Brasil e um aumento nas tempestades. A MetSul acrescenta que durante o último trimestre deste ano, a intensidade do fenômeno pode ficar entre “forte” e “muito forte”, podendo atingir o patamar de um Super El Niño. Já nos mapas com a previsão de setembro a novembro, é possível observar que no Rio Grande do Sul e em áreas de Santa Catarina, o volume pode chegar a ficar até 100mm acima da média esperada para o período.
“A MetSul antecipa, por experiência histórica, que muito provavelmente as anomalias de chuva em alguns meses devem ficar acima a muito acima das indicadas pelos modelos, ou seja, o cenário de chuva excessiva pode ser ainda pior que o indicado pelos modelos de clima”, ressalta a consultoria.
O El Niño pode durar até um ano e vem com intensidade maior do que eventos de La Niña.
A maior preocupação dos cientistas é a temperatura média anual da Terra aumentar 1,5°C. Até agora, os gases de efeito estufa emitidos pelas atividades humanas elevaram a temperatura média global em cerca de 1,2°C. E isso já trouxe impactos catastróficos em diferentes partes do mundo, desde ondas de calor intenso nos Estados Unidos e na Europa a inundações devastadoras no Paquistão e na Nigéria, prejudicando milhões de pessoas.
Chance de eventos meteorológicos extremos
Francisco Eliseu Aquino, professor do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e diretor substituto do Centro Polar e Climático da mesma instituição, lembra que o ano mais quente registrado na história, em 2016, foi impulsionado por um grande El Niño.
“Há cerca de 40 anos, a média da temperatura da Terra era 14°C. Atualmente, estamos em 15,1°C, subindo lentamente. Pelos acordos (de Paris e Davos), a gente precisa frear as emissões de gás de efeito estufa para que a Terra não chegue ao patamar de 1,5°C acima da média global, alcançando 15,5°C. Confirmando o El Niño, há grande chance de bater uma anomalia de temperatura média anual de 1,5°C entre 2023 e 2024. Mas quando ele finalizar, teremos a chance de voltar para 1,1°C ou 1,2°C de aumento na temperatura média global. É melhor, mas não é o ideal, de forma alguma”, resume Aquino.
O professor da UFRGS esteve recentemente entre os cientistas que participaram da missão Criosfera 2022, na Antártica para estudar os efeitos das mudanças climáticas na Terra. Ele alerta que, se a temperatura média global atingir o aumento de 1,5°C em um planeta que já está com o oceano quente e a circulação atmosférica alterada, aliado aos desmatamentos do Cerrado e da Amazônia, há grandes chances de eventos meteorológicos extremos, inclusive no Rio Grande do Sul.
Enquanto as previsões apontam para um El Niño moderado a forte, é importante estarmos preparados para lidar com as consequências e adotar medidas que visem a mitigação dos impactos causados por eventos extremos. A atenção à informação meteorológica e ações de precaução são cruciais para enfrentar essa estação única e desafiadora.