Slam Guará chega ao fim com duas finalistas para a etapa estadual
Na tarde do último domingo de agosto, 27, nove artistas apresentaram suas poesias na final do Slam Guará, batalha de poesia que está desde 2019 em Joinville, para garantir duas vagas na etapa estadual, que acontece em Florianópolis. O evento, que é aberto e gratuito, será na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), no próximo dia 24, às 13. As duas representantes do Slam Guará são: Suellen Grosskopf e Elisa Moraes.
Em Joinville, a final aconteceu no espaço da Barbiearia, na rua Dona Francisca, e contou com nove artistas como Karolli Mc, Peace, Do Gueto, Santiago, Lais Goes, Yuri Skrosk, Thaís Lima, Stefany Moura.
Desde o mês de fevereiro, o slam vem trazendo vários encontros de poesia pela cidade, com diversas apresentações artísticas para o público. A final terá vários representantes de slam de outras regiões do estado, e o ganhador da fase estadual, irá para a copa Abya Ala, no Rio de Janeiro, e os classificados, irão para a fase nacional em Minas Gerais.
As finalistas e suas obras
Elisa Moraes, 21, teve sua primeira participação no Slam este ano, onde a mesma ficou surpresa em ter adquirido uma vaga para a final. Mas teve seu primeiro contato em sua cidade natal, Camaçari, na Bahia, mas nunca pensou em participar. Atualmente, Elisa trabalha na área de gestão de eventos, e produz alguns materiais audiovisuais culturais.
Em seus poemas ela relata suas vivências durante toda a sua trajetória de vida, narra em ambientes que ela viveu e as lembranças dessas fases de vida.
Princípio da Máxima Atividade
Guardo dois medos com morte
e dela mesma, nenhum.
O primeiro é de morrer jovem, caminho cortado pelo meio;
o segundo, de morrer senhora, idosa… enjoada de tudo.
De morrer em si, guardo nada
me importam mesmo são as circunstâncias
e digo firme nesse não temer, que desde cedo me vejo assim: vida em fuga.
Quê que é morrer senão isso?
— o derradeiro desaparecer do corpo.
A incontornável sensação do despresenciamento, como…
como quando aconteceram os oceanos entre nós dois.
O maxilar travado, o corpo tenso, os olhos vazios
esses movimentos mecânicos que coleciono às segundas-feiras
O inchaço no corpo, as doença na pele, e o coração…
São fotos, memórias,
tantos, tantos quilômetros,
divisas
Os infinitos finais, onde nada se cria e tudo se perde
Eu me vejo na borda.
Me diga o que acontece à árvore uma vez arrancada do chão
à folha uma vez separada do caule
então me responde quê que é morrer senão isso:
O derradeiro desaparecer do corpo.
– Elisa Moraes
Suellen Groskoopf, 23, teve seu contato com o slam por conta de uma poeta paulista, Mariana Felix. Logo depois participou de uma organização de um sarau na Univille, em 2019, onde cursava Letras, que atualmente, está fazendo na Pontifícia Universidade Católica do Paraná, a PUCPR. “Mas, demorou alguns anos até eu ter coragem para me inscrever em um dia Slam.” Suellen ainda acrescentou que logo depois que participou, na edição deste ano, não pretende mais parar de recitar.
Os poemas autorais de Suellen tem como principal inspiração, após ser internada com uma crise dissociativa, por conta do seu esgotamento mental, vindo dos ambientes universitários e de trabalho. Contando suas vivências como mulher preta e periférica dentro de um ambiente predominantemente branco, onde teve que se moldar aquela realidade, ainda relata sobre a descriminação de sua realidade social.
Sobre(viver)
Esses dias me perguntaram numa aula na universidade o que é sobreviver pra você?
Já não é nenhum segredo que a cada 23 de minutos morre um jovem negro, meu povo soma 80% das mortes mais violentas, estamos sendo excutados e não é de forma lenta.
Santa e bela Catarina, quanto ódio escrachado
Consigo enxergar tua bandeira manchada.
Preciso de um ar, respiro meu pai grita ao fundo
“Ei mas leva o documento minha filha e cuidado com tiro”
23 anos de vida, nunca fiz nada mas isso não impediu que um PM fardado apontasse uma arma na minha cara.
Nem o uniforme do “trampo” me serviu de escudo, apenas a boca MUDA.
O corpo treme e a perna não se governa “cê” sabe que não fez nada de errado mas na hora lembra das palavras de dona Néia
“menina, cê é neguinha, toma cuidado com esse cabelo raspado e este degradê disfarçado”
Esses dias me perguntaram numa aula na universidade o que é sobreviver pra você?
No meio de todo caos, às vezes me esqueço que vivo demais em minha bolha social.
O meu clichê neste espaço branco apavora.
O meu clichê é o tempo inteiro afirmar que é estrutural, e nem é por mal.
Às vezes me cansa, me fadiga explicar o tempo inteiro o que é óbvio.
Camila de Lucas eu “tô” contigo, nós estamos cansados de explicar o que é racismo.
Não quero mais perdoar ou entender, quero reparação e restituição de nosso real poder.
Imagina, que louco os pretos todos no topo.
De 10 linguistas apresentados em uma aula de metodologia de ensino da língua portuguesa 3 apenas são mulheres, e não tem nenhum nem um pouquinho mais pardo.
Machado e Cruz de Sousa são brancos nos livros de história e pra chegar mais longe nem Nossa Senhora escapa!
Imagina que lindo a universidade tomada por um monte de preto sorrindo, sem se preocupar com o símbolo de nazismo escrito no banheiro, sem medo de voltar para casa morto o tempo inteiro.
Em nenhum lugar estamos a salvo do branco patriarcado, é injusto que quando aumento a minha voz para ser finalmente ouvida sempre tem um cara branco pra dizer “você tem que se acalmar menina!”
Ah e não posso esquecer,
Como ainda não suportam uma mulher preta em posição de poder.
Esses dias minha irmã me ligou:
“Eu não aguento mais, eu não aguento mais! Esse homem me odeia, não consigo trabalhar, e se eu sair me diz como as contas vou pagar!?”
A única mulher preta da empresa com 3 diplomas nas costas, e sete anos de casa mas adivinha ninguém faz nada! Ninguém se importa.
E sempre vão nos rotular, cansei de explicar vou começar a revidar.
Esses dias me perguntaram numa aula na universidade o que é sobreviver pra você?
Esses dias me perguntaram numa aula na universidade o que é sobreviver pra você?
É ser preta e ainda estar viva!
– Suellen Groskopf