Tornar-se mulher é a violência de gênero como projeto
O segundo volume da obra O Segundo Sexo, escrito por Simone de Beauvoir (1908-1986), emplaca uma das frases mais emblemáticas do movimento feminista internacional com uma reflexão que motiva estudiosos do mundo inteiro a compreenderem o fenômeno do gênero sob uma outra ótica: “não se nasce mulher, torna-se mulher”. Provocativa como a própria complexidade do pensamento da autora, a frase propõe a compreensão do gênero como uma composição de diversas determinações moldadas pela sociedade. O movimento de “desnaturalizar” o acontecimento do ser Mulher significa negar a posição de Mulher como uma determinação biológica e entendê-la como um conceito produzido e reproduzido coletiva e individualmente pelas pessoas.
“Não se nasce mulher, torna-se mulher” é um pensamento clássico de Simone de Beauvoir para dizer que há uma construção social imposta às mulheres. “A sociedade nos impõe determinadas características, vai nos moldando no dia a dia. Não é assim que nascemos, a gente torna-se mulher através dos estereótipos que nos são colocados: essas correntes que a gente pensa sempre em quebrar”, afirma Ane Wisbeck, que foi professora por 33 anos, sindicalista e é ativista no Movimento Feminista da Diversidade.
O conceito da Mulher implica compreender suas múltiplas manifestações ao longo de diferentes lugares, tempos históricos e contextos culturais. A divisão dos papéis de gênero varia significativamente entre culturas, etnias e períodos históricos, não sendo resultado de um projeto isolado com autoria determinada, mas sim de complexas relações sistêmicas e eventos históricos que moldaram o tecido social contemporâneo. Esses padrões históricos fundamentais contribuíram para a estruturação do capitalismo e da divisão social do trabalho. Para Ane, que também é sobrevivente da violência doméstica, as instituições ainda perpetuam esses papéis de gênero.
“Sob um olhar crítico, quando eu penso nas instituições, elas nos mantêm e sempre querem nos manter nessa posição de sermos subalternas e subjugadas. Nós temos as instituições religiosas, as governamentais, a familiar e todos os espaços que nós estamos, que nós ocupamos, as políticas, ainda é muito fundamentado o machismo estrutural, resultado daquele patriarcado. As instituições religiosas são fundamentalistas e ali, se Deus criou assim, assim será. E assim, nós devemos obediência ao marido, ao homem. As governamentais, com o capitalismo que nós temos, nos colocam ainda na mesma posição de sermos subjugadas ao homem, de estarmos ajudando o homem e de sermos um. Uma mão de obra barata. Dentro das instituições familiares, o patriarcado ainda é fortíssimo, onde o abuso sexual de crianças adolescentes é naturalizado, onde a violência doméstica é naturalizada. Então, as instituições, do jeito que estão constituídas, elas insistem em nos colocar nessa posição de inferioridade e nos aniquilam.”
Neste contexto, diversos movimentos sociais surgem com o intuito de debater, conscientizar e lutar pela garantia e manutenção dos direitos das mulheres e pela construção de uma realidade igualitária. O feminismo surgiu no século XIX como uma das ferramentas de organização social, protagonizado por mulheres e fundamental aos avanços históricos na luta pela igualdade de gênero. Para Ane, os movimentos sociais têm esse papel de movimentar a sociedade.
O olhar da cultura sob a Mulher
Em Joinville, Thuani Stolf utiliza a arte para propor uma nova forma de ser e de enxergar a mulher no mundo através do seu espetáculo de palhaçaria intitulado “Quem inventou o Tabu?”. Nele, Thuani desenvolve uma personagem livre e questionadora que conta as suas interpretações acerca da história da opressão feminina e seus impactos na saúde mental da mulher, promovendo um espaço de educação e autoconhecimento para os espectadores.
“E como o espetáculo reflete tudo isso, é pela experiência de estar em contato com uma mulher palhaça que está à vontade com os seus buracos, tanto no sentido do prazer quanto no sentido da falta, da solidão, da carência, da dúvida, da tristeza e também no lugar da festividade, da celebração, da satisfação, do êxtase. A experiência do espetáculo é para as pessoas vivenciarem sensações, respirações, movimentos, como se não existisse esses tabus. Como se a gente estivesse num espaço além. Para fora dessa separação que foi criada sobre a sexualidade e proporcionar para as pessoas um ambiente seguro, confortável e feliz sobre a sexualidade também, de um lugar leve, de um lugar que às vezes a gente só se permite viver lá dentro da gente ou dentro de casa, ou em quatro paredes e aqui a gente pode vivenciar isso juntos, de uma forma leve e divertida então a minha intenção é refletir todos esses tabus para uma experiência positiva de sexualidade bem longe da pornografia, óbvio, e bem perto de uma humanidade íntegra e livre de verdade.”
Para Thuani, é a sociedade civil organizada que tenta quebrar os paradigmas do patriarcado, do machismo, do racismo e da LGBTfobia. “Fazem apenas 200 anos e, dentro de um contexto histórico é pouco, que nós temos direitos garantidos pela legislação”, completa a artista.