Mercado de trabalho e autismo: relatos de uma mãe e professora autista na luta por seus direitos em Joinville
Por Diogo de Oliveira e Leonardo Budal Arins
Segundo o Ministério da Saúde, o Transtorno do Espectro Autista (TEA) é um distúrbio caracterizado pela alteração das funções do neurodesenvolvimento do indivíduo, interferindo na capacidade de comunicação, linguagem, interação social e comportamento. Pessoas portadoras do espectro sofrem com a discriminação e ainda são invisibilizadas e mal vistas pela sociedade. No âmbito do mercado a realidade não é diferente.
A Lei Berenice Piana, de 2012, garante a inclusão da população autista no mercado de trabalho. O texto que, segundo o portal Autismo e Realidade, ajudou no reconhecimento do autismo como deficiência, estabelece como uma das diretrizes da Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista o “estímulo à inserção da pessoas com transtorno do espectro autista no mercado de trabalho”, além de determinar que as escolas incluam acompanhante especializado nas classes. No entanto, de acordo com dados do IBGE, 85% dos profissionais com TEA ainda estão desempregados no Brasil.
Essa estatística nada favorável aos portadores do TEA reflete um preconceito enraizado em nossa sociedade, já que o assunto ainda é visto como tabu por grande parte da população, não é à toa que o primeiro diagnóstico de autismo registrado na história foi apenas na década de 30.
Principais obstáculos
Além da dificuldade que pessoas autistas enfrentam para ingressar no mercado de trabalho, também há as dificuldades dos que já estão ingressados. Priscila Miranda, 44, foi diagnosticada apenas em abril deste ano, junto com a filha de 5 anos. Professora de língua inglesa e portuguesa há 20 anos em Joinville, relata que sempre teve dificuldades em se enquadrar no meio profissional. “Na minha opinião o acolhimento é quase zero. A inclusão de alunos e professores está muito mais no papel do que na prática. O diagnóstico, na minha opinião, está muito mais para as pessoas fazerem chacota de você do que para te respeitarem de fato”.
Luana Hammes, 29, é psicóloga na prefeitura de Joinville e integrante do Instituto Ímpar com atuação em projetos como o Laboratório de Teatro para pessoas com Deficiência Intelectual, Transtorno do Espectro Autista e outras deficiências. Para ela, as empresas precisam ter profissionais capacitados na área de Recursos Humanos, assim, podem compreender as particularidades e promover dignidade, respeito às diferenças e inclusão a todos os trabalhadores. Luana completa dizendo que, partindo desse setor, as articulações com a capacitação da gestão e/ou demais colaboradores poderiam ser construídas com base nas necessidades emergentes naquele espaço.
Dentro do mercado de trabalho atual, a psicóloga afirma que a principal dificuldade que os autistas enfrentam seja a negligência em torno de suas necessidades que existem em relação a qualidade de vida do trabalhador. A professora Priscila comenta que já passou por momentos estressantes no trabalho, como na parte de socialização, dificuldade que é comum em autistas. “Não sou uma pessoa grudenta, não sou de ficar abraçando, beijando, que fala alto, que ri alto. As pessoas me cobram muito para eu ser mais extrovertida como se todos tivessem que ter a mesma personalidade.”
Meninas autistas e capacitismo
Um ponto muito forte para ser considerado é o recorte de gênero dentro do TEA. Os resultados de uma pesquisa feita pela Faculdade de Ciências e Tecnologia da Bahia (FACITE) mostraram que os sinais do TEA nas meninas são muitas vezes camuflados, passando despercebidos, contribuindo com o subdiagnóstico ou diagnóstico tardio. Estereótipos de gênero tendem a atrapalhar o diagnóstico de mulheres e meninas, fazendo com que meninas disfarcem mais as características. Este fenômeno é chamado no meio clínico de “Masking”, que é nada mais do que o portador do espectro mascarar seus hábitos e comportamentos para se adequar a condições sociais mais aceitáveis pelos neurotípicos. Segundo Priscila, o masking foi um dos principais fatores para o seu diagnóstico tardio.
O capacitismo também é uma realidade forte na vida da professora. Frases como “Mas nem parece”, “Você não tem cara de autista” “Como? você é tão inteligente?”, permeiam a rotina de Priscila. “Sinto muito isso no meu ambiente de trabalho e até familiar. Todos os problemas que eu tive de ansiedade e depressão, isso as pessoas não veem.”
Priscila conta que sua principal dificuldade durante o trabalho, está longe de ser intelectual. Porém, diz que a parte sensorial a incomoda muito. “Sou capaz de fazer planejamento para mostrar para os outros, mas me viro bem sem eles em sala de aula também. O problema sempre foi o sensorial. O barulho dos alunos falando todos ao mesmo tempo, a parte disciplinar. Coisas como estas costumavam e ainda costumam me levar ao burnout.”
A psicóloga Luana Hammes diz que, hoje, na saúde ocupacional, pessoas com transtornos mentais têm direito a mudanças de setores para adaptação de suas demandas emocionais e psíquicas, entretanto, acessar e garantir direitos é denso quando o assunto é saúde mental. Na neurodiversidade, frequentemente são deslegitimadas, ocasionando, muitas vezes, sobrecargas sensoriais, prejuízos identitários, emocionais e, em um tempo prolongado, levam a comorbidades como depressão, ansiedade e/ou síndrome de burnout, como é o caso de Priscila.
Os relatos de Priscila deixam nítidas a falta de conscientização da sociedade e a falha na inclusão no mercado de trabalho. A psicóloga Luana acredita que políticas públicas são fundamentais para uma mudança desse cenário. “Acredito fortemente no potencial da construção democrática de saberes, com papel fundamental das políticas públicas. Investimento em educação e saúde como temas que atravessam o sujeito em todas as fases de sua vida, então a formação das infâncias para acolhimento das diferenças; capacitação de professores; instrumentalização de profissionais da saúde e assistência social em empresas e serviços públicos é uma urgência para garantia de dignidade e acesso a direitos”, ressalta.
Priscila Miranda mantém uma conta no Instagram com textos autorais: @priscilamirandawriter
Abaixo, a poesia escrita pelo acadêmico Leonardo Budal, acadêmico de jornalismo e autista.
Loucura
Me chame de esquisito se quiser.
Talvez eu seja um pouco;
Vejo as coisas de forma diferente.
De maneira que me torne louco.
Mas rapaz, o que é loucura?
Ver as coisas de uma forma diferente?
ou estar perdido em uma avenida escura?
Pense comigo óh pessoa enlatada sem personalidade.
Ainda crê em sua vaidade?
Pois se meu jeito tanto lhe incomoda
Então tu deves ser a grande e poderosa vossa majestade!
Talvez minha loucura, não seja de fato louca.
Talvez somente minha fala é que esteja rouca.
Rouca de gritar aos céus pelo meu lugar.
Gritar ao sol e seu brilho;
a lua e seu luar
Mas agora digo você uma coisa:
Se sou tão esquisito, tão louco , tão desvairado
Por que então eu sinto que somente seu grito é tão desafinado?
Louco não sou;
Tenho somente meu jeito de ser;
Um jeitinho próprio cheio de desejo de viver.