Estigmas sobre o HIV geram dificuldades na busca por tratamento
No Brasil, a doença afeta um milhão de pessoas, sendo a maioria do sexo masculino
Por Milena Natali
No Dia Mundial de Luta Contra a AIDS, 1º de dezembro, a sociedade global volta os olhos para uma doença que, apesar dos avanços no tratamento e prevenção, ainda é cercada de estigma e discriminação. Com mais de 36 milhões de pessoas em todo o mundo vivendo com HIV, a luta contra a patologia enfrenta desafios não apenas médicos, mas também sociais e legais, que dificultam o progresso.
A rotulação de pessoas LGBTQIAPN+ e outros grupos marginalizados, como trabalhadores do sexo, continua sendo um obstáculo. Embora as taxas de infecção e mortalidade tenham caído nos últimos anos, os avanços são lentos e a desigualdade de gênero é um fator que impede o acesso igualitário aos cuidados e tratamentos.
De acordo com o infectologista e professor universitário César Hornburg, o medo do preconceito é um dos principais agentes que impedem as pessoas de realizar testes e buscar tratamento. “A estigmatização da pessoa com HIV ainda é uma realidade em muitas partes do mundo, e isso tem um impacto direto na saúde pública”. Ele destaca que, apesar de os tratamentos antirretrovirais serem eficazes, muitos ainda não têm acesso a eles devido a barreiras sociais e políticas.
A situação é confirmada pela jaraguaense Ana Caroline de Souza Mello, que se diagnosticou com HIV há cinco anos. “Eu demorei para fazer o teste porque tinha medo de ser discriminada. Até hoje, algumas pessoas me olham de forma diferente quando sabem que sou soropositiva. O estigma ainda é muito forte e isso me impede de ser completamente aberta sobre minha condição”, comenta.
De “praga” a questão de saúde pública
A historiadora Maria Helena Costa, especializada em estudos sobre direitos humanos e saúde pública, lembra que a luta contra a AIDS tem uma longa trajetória. “Nos anos 1980 e 1990, a doença era vista como uma praga, muitas vezes associada ao medo e ao preconceito contra a comunidade gay. Embora hoje a medicina tenha avançado, o estigma ainda permanece em muitas sociedades”, explica.
Ela também aponta que a campanha de conscientização e os avanços na medicina são frutos de décadas de luta. “O movimento das comunidades afetadas, como as organizações de defesa dos direitos LGBTQIAPN+, foi importante para trazer a doença para o centro do debate sobre saúde pública”.
No início da epidemia, o acesso ao diagnóstico era bastante restrito, assim como as formas de prevenção, ou seja, muitas pessoas morriam e não sabiam que era em decorrência do HIV. Em 1996, o Brasil foi um dos primeiros países, dentre os de baixa e média renda, a fornecer tratamento gratuito para pessoas que viviam com AIDS, através do Serviço Único de Saúde (SUS). O país tem uma das maiores coberturas de tratamento antirretroviral (TARV), com mais da metade (64%) das pessoas recebendo TARV – segundo os dados mais atuais do Ministério da Saúde.
Apesar das conquistas serem notáveis, ainda há muito a ser feito. A UNAIDS, Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids, alerta que o combate precisa de um esforço coordenado para garantir que as populações marginalizadas, como homens que possuem relação com homens, trabalhadores do sexo e pessoas trans, recebam o apoio necessário.
Com a crescente oferta de testes rápidos, como os autotestes, e o acesso a medicamentos antirretrovirais, a prevenção continua sendo uma das principais ferramentas na luta contra o HIV. “A prevenção não deve ser vista apenas como uma responsabilidade individual, mas como um compromisso social”, diz o médico César Hornburg. Ele ressalta que a educação e a conscientização sobre o uso de preservativos e a importância do teste regular são essenciais para reduzir a transmissão do vírus.
Enquanto isso, o caminho para erradicar a AIDS passa pela implementação de políticas públicas que garantam o acesso universal à saúde, sem discriminação. A luta não é apenas contra o HIV, mas também contra as desigualdades sociais e o estigma persistente que ainda afetam aqueles que mais necessitam de apoio e cuidado. É essencial que a sociedade enfrente esses desafios de forma integrada, promovendo a inclusão e a solidariedade, para que todos possam ter o direito à saúde.