Orientação para comemorar Golpe de 64 provoca reações contrárias
A determinação do presidente Jair Bolsonaro para que os quartéis comemorassem o golpe militar de 1964, o qual ele prefere chamar de “revolução”, ganhou repercussão internacional e gerou revolta em diversos segmentos. A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, órgão vinculado ao Ministério Público Federal, emitiu nota alertando que o apoio do presidente da República a um golpe pode configurar crime de responsabilidade. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e o Instituto Vladimir Herzog (IVH) fizeram hoje uma denúncia do caso à Organização das Nações Unidas (ONU)
Movimentos sociais preparam manifestações contra o golpe e a ditadura militar. Em Joinville, o Centro Acadêmico Livre de História Eunaldo Verdi, formado por estudantes da Univille, programou um ato para domingo, a partir das 17 horas, na Praça da Bandeira.
No 62º Batalhão de Infantaria, em Joinville, o 31 de Março foi lembrado com uma solenidade interna, na quinta-feira (28). Uma palestra sobre o tema também ocorreu na sexta (29). Conforme o comandante, Tenente-Coronel Reinaldo Sótão Calderaro, a programação é similar às atividades que sempre foram realizadas em anos anteriores.
De acordo com historiador Wilson de Oliveira, que é co-autor do livro “O Exército e a Cidade”, sobre a história do 62º Batalhão de Infantaria de Joinville, como o regime militar causou sofrimento a muitas pessoas, Bolsonaro deveria ter mais cuidado na sua fala. Para Oliveira, é necessário recordar o período, contudo não há motivos para celebrar essa data.
O ano de 64 é um marco histórico para entendermos nosso presente à luz do nosso passado, especialmente hoje em que vivemos um momento de grande tensão política no país, em que a memória histórica é constantemente manipulada (Wilson de Oliveira).
Joinvilenses também tiveram direitos violados
O coordenador do curso de Jornalismo da Faculdade Ielusc, Sílvio Melatti, participou da Comissão Nacional da Verdade (CNV), criada pela Lei 12528/2011 e instituída em 16 de maio de 2012. O grupo investigou as graves violações de direitos humanos, como perseguições e torturas, cometidas entre 18 de setembro de 1946 a 1979.
A apuração constatou que vários joinvilenses sofreram tortura psicológica. Há testemunho de pessoas que sofreram invasões de domicílio, prisões arbitrárias ilegais, sequestros, ocultação de presos políticos, queima de livros e perseguição por agentes da repressão. Também há registros de pessoas levadas para Curitiba e Florianópolis, onde sofreram tortura física, como choque elétrico, afogamentos e empalamentos com cabos de vassoura.
Segundo Melatti, todos os países da América Latina que passaram por uma ditadura conseguiram julgar seus torturadores, entretanto, no Brasil, foi criada a Lei da Anistia, que concedeu perdão a todas as pessoas envolvidas, inclusive os torturadores. “Há a necessidade de estudar e registrar essa história, pois naquele tempo não havia condições de fazer um registro histórico, a imprensa estava toda censurada. Então, depois de muita luta, foi estruturada a CNV, que fez um levantamento ouvindo testemunhas e, principalmente, descobrindo onde estavam as pessoas desaparecidas.” Melatti relata que o número de corpos desaparecidos era tão grande que a CNV teve que ser dividida em comissões nacionais e municipais em lugares onde ocorreu a tortura e prisão de combatentes da ditadura, como em Joinville.
A socióloga Valdete Daufemback fica indignada quando ouve alguém dizer que não existiu tortura durante a ditadura ou que, na época, as pessoas estavam seguras e não havia violência. Segundo ela, na época dos governos militares, “o medo era exatamente do exercício de poder do Estado, representado pela polícia, pois foi dado a este corpo organizacional o poder de matar, de torturar, de abusar das pessoas pelo simples fato de elas estarem na rua, não importando se vinham do trabalho, do estudo, eles tinham o direito de humilhar quem quer que fosse”, explica.
Sobre a determinação de Bolsonaro, Valdete afirma que atrás de cada discurso do presidente se esconde a falta de um plano de governo. Para a socióloga, a sede de poder de Bolsonaro é tão grande que ele não cansa de “investir contra a nação de maneira retrógrada”.
Assuntos polêmicos são como cortinas de fumaça deste governo para desviar a sua real intenção de destruir o país na economia, na política, nos direitos sociais, opina Valdete Daufemback.
Batalhão lembra data com palestra e cerimônia interna
O comandante do 62 BI, Tenente-Coronel Reinaldo Sótão Calderaro, afirma que lembrar datas históricas faz parte da rotina militar e com o 31 de Março não é diferente, mas enfatiza que não se trata de uma comemoração. “Realizamos sempre uma cerimônia interna, de modo discreto. Estamos num país democrático e não queremos a politização de eventos históricos dentro das Forças Armadas, que é instituição apolítica”, afirmou.
Calderaro considera 31 de Março “uma data significativa” porque marca, segundo ele, uma ação civil-militar destinada à “preservação da democracia”. Pós-graduado em Geopolítica, o comandante destaca a necessidade da compreensão ampliada do momento histórico da década de 1960. “Havia um país que hoje já não existe, a União Soviética, numa guerra fria com os Estados Unidos, o que deixava o mundo polarizado”, observa. Ele ressalta a influência do sistema político e econômico da antiga União Soviética sobre outros países, inclusive o Brasil. “Na época, a população civil brasileira e também a imprensa clamavam por uma intervenção militar a fim de proteger a democracia”, argumenta.
Pela ótica do comandante Calderaro, os governos militares integraram um “movimento cívico-militar necessário para o desenvolvimento de um processo histórico que chegou a seu término de forma tranquila”. Ele destacou, ainda, a participação do Exército em outros momentos históricos do país, como o início da República, por exemplo. “É preciso estudar com isonomia os fatos históricos”, defende. De acordo com o Tenente-Coronel, trabalhar dentro da lei, respeitando a democracia e visando manter a estabilidade da nação são os propósitos do Exército Brasileiro.