Bruxas deixam lições de resistência e empoderamento
Por Destiny Goulart, Thiago Rodrigues, Marília Moraes /Fotos: Carla Lorentz
Brincadeiras, fantasias, gostosuras e travessuras são apenas a parte mais conhecida do Dia das Bruxas, também chamado de Halloween e lembrado no dia 31 de outubro. Com origens pagãs entre os povos gaélicos, a festa original servia para marcar a transição da metade mais ensolarada para a metade mais sombria do ano dentro do calendário celta. Para sobreviver à cristianização da Europa, muitas práticas pagãs enfrentaram perseguições violentas.
No começo da Idade Moderna houve a chamada Caça às Bruxas. Ao contrário do que comumente se propaga, não havia, durante boa parte da Idade Média, um grande interesse em perseguir bruxas. A Inquisição estava mais concentrada em combater vertentes consideradas hereges, como os cátaros e os waldesianos e garantir a conversão de novos cristãos, como no caso de ex-muçulmanos e ex-judeus na Península Ibérica. Naquela época, o entendimento predominante na Igreja Católica era de descrença na possibilidade de bruxaria.
No século XV, entretanto, esse entendimento da Igreja passa a mudar e é reforçado com a publicação do Malleus Maleficarium. O tratado propagava o extermínio de bruxas e foi o primeiro a associar o gênero feminino como mais propenso à prática de feitiçaria, além de recomendar a tortura como forma de confissão.
Segundo a obra da historiadora Natalie Zemon Davis, a mágica fazia parte da vida europeia desde a Antiguidade. Aldeões, artesãos, pessoas bem instruídas usavam uma série de utensílios e práticas para curar, mas também para prejudicar desafetos. Bruxos ou bruxas nada mais eram que pessoas entendidas em práticas adotadas para auxiliar em coisas importantes para as pessoas, como o crescimento de hortas, a cura de doenças, o nascimento de crianças.
Sob ameaça das fogueiras
No passado, muitas mulheres foram acusadas de bruxaria, perseguidas e mortas. A historiadora Valdete Daufemback observa que, a partir da metade da Idade Média, a Igreja foi se tornando mais forte, mais poderosa, rígida e uma igreja somente masculina. As mulheres foram afastadas e não podiam exercer qualquer movimentação que despontasse como um poder.
Diante desse quadro de opressão, mulheres que sabiam um pouco mais eram perseguidas. Valdete cita como detentoras de conhecimento as parteiras, mulheres que tratavam as pessoas com chás e até aquelas que detinham certo poder sobre os cavaleiros, exército. “Sob suspeita, muitas eram jogadas do penhasco e, se saíssem voando, era a prova de que eram bruxas; se não voassem, naturalmente morriam da mesma forma”, explica. A condenação à fogueira ocorria sob alegação de que, se o corpo de uma bruxa fosse queimado, a alma daquela mulher seria salva.
Em pleno século 21, ainda há casos extremos de perseguição motivados por crenças religiosas, como recentes ataques a terreiros de candomblé. “A caça às bruxas não acabou para as mulheres, a gente percebe no dia a dia a perseguição às mulheres diferentes, às mulheres que exercem a política… Elas continuam sendo perseguidas e atiradas à fogueira, agora de forma psicológica”, constata Valdete. “Muitas mulheres hoje passam ainda pelos mesmos perrengues que se passava na Idade Média, na Idade Moderna “, observa.
Na opinião da historiadora, a perseguição ocorre atualmente de muitas maneiras, como o salário maior para os homens, exclusão das mulheres em alguns setores do mercado de trabalho, pelo feminicídio motivado, na maioria das vezes, pelo simples fato de não ceder aos caprichos dos homens, perseguição política, entre outras. “Ainda se reprimem as mulheres para manter a dominância masculina”, observa. “Esse tipo de perseguição à mulher nem sempre é percebido. Muitas acham normal a diferença salarial ou que sejam impedidas de trabalhar fora de casa, normal que tenham de cuidar dos filhos. A própria mulher pensa que, se não for dessa maneira pode ser castigada, então ela continua oprimida”, comenta Valdete.
Livro relata vida de mulheres que curam
A jornalista Nathalia Thomassen escreveu a história de cinco “bruxas” da atualidade. O trabalho, desenvolvido como projeto experimental durante a faculdade, resultou no livro “Mulheres que Curam“, que em breve deve ser publicado. Para produzir a série de perfis, Nathalia entrevistou as personagens centrais e também pessoas que convivem com elas. Também participou de alguns rituais. “Todas têm uma relação forte com a espiritualidade e com a natureza”, observa.
Interessada pelos saberes populares, Nathalia afirma que conhecer essas mulheres proporcionou-lhe uma experiência ímpar. “A vida delas roda em torno dessa escolha que fizeram, é mais profundo que só praticar uma religião, ir ao culto uma vez por semana”, compara.
Marina Guadalupe, uma das entrevistadas no livro, mantém a Tenda da Lua Vermelha, em Florianópolis, onde atende mulheres ligadas ao sagrado feminino. Caroline Mottin, a “Caro”, mantém – entre outras atividades – uma oficina de vassouras encantadas. Todas utilizam seus saberes a favor do empoderamento feminino.
Quando as vassouras ficam prontas, faz-se uma grande roda. Normalmente já é noite e faz frio, mas as mulheres são aquecidas por uma fogueira ao centro. Está tudo escuro, ouvem-se os grilos e sapos. Nesse ambiente aconchegante, cada mulher tem a possibilidade de contar sua história, seus problemas, suas dúvidas, seus anseios. Muitas choram por não saber o que fazer de suas vidas. Outras se emocionam ao lembrar dos filhos doentes, do relacionamento abusivo, da tristeza por não saber o seu papel neste mundo. E é ali, em círculo, que trocam abraços, rezam e fortalecem o papel da mulher no mundo, de mulher consciente do seu poder. (Nathalia Thomassen, no livro Mulheres que Curam)
Entre chapéus e fotografias
As imagens utilizadas nesta reportagem são parte de um ensaio fotográfico encomendado pela estilista e chapeleira Aline Ferreira à fotógrafa Carla Lorentz. Formada em moda, Aline começou a produzir adereços para cabeça há 15 anos e há 4 trabalha com chapéus que levam sua própria marca, a Line Boinas. Tudo é produzido artesanalmente em seu ateliê em São Bento do Sul.
A produção dos chapéus de bruxa começou por conta do pedido de uma amiga de Porto Alegre-RS. “Este ano começaram a vir clientes de várias partes do Brasil querendo chapéu de bruxa, então me empenhei em fazer mais estilos diferentes e veio a ideia do ensaio fotográfico”, conta. Carla e Aline queriam fugir do estereótipo que relaciona bruxaria à maldade. “Além de gostar da fotografia mais natural, também associo as bruxas a seres ligados à natureza, portanto as fotos foram realizadas sem fugir do meu estilo de fotografar”, explica Carla.
Cada chapéu leva cerca de três dias para ficar pronto e custa entre 85 e 139 reais. “Nesta época do ano recebo muitos pedidos para Halloween, tanto de Santa Catarina quanto de outros estados, mas também tenho clientes que vivem a bruxaria”, conta Aline.
Você pode conhecer mais sobre o trabalho da chapeleira Aline Ferreira no Instagram e sobre os trabalhos fotográficos de Carla Lorentz aqui.