Fé encontra espaço no ambiente acadêmico
Por Elisa Scherer
Aos poucos, seis moças entre 18 e 20 anos acomodam-se na sala, três sentadas em cadeiras, as outras três no tapete de E.V.A colocado ali para as crianças que utilizam a sala em outro turno. A conversa entre elas flui. “Como foi a semana de vocês?”, pergunta Suzana. Cansaço estampado no rosto com disposição típica de sexta-feira à noite.
A garota mais falante conta como acidentalmente derrubou café no sofá de sua mãe naquela manhã e desabafa sobre como isso a tirou do sério, ao tempo em que outras garotas começam a comentar sobre fatores que as fazem ficar estressadas. Sutilmente, Suzana adentra no tema da noite, testemunha que Cristo transformou sua vida e que milagrosamente a livrou de alguns estresses e ansiedades. Esse encontro se repete semanalmente. É uma reunião cristã que acontece na Faculdade Inesa. As estudantes separam 30 minutos para falar sobre o cotidiano e a fé.
A iniciativa partiu de Suzana, 18 anos, que está no terceiro semestre de Pedagogia. “Eu cheguei aqui e já era algo que eu achava que ia ser necessário para me fortificar. Pensei: ‘já que Jesus me colocou aqui foi por um motivo, não é para eu simplesmente me formar e está tudo certo’”, contou a estudante.
Antes de ingressar na faculdade de Pedagogia, Suzana estudava no IFSC e planejava fazer engenharia até o momento em que sentiu um chamado divino para fazer outro curso. No IFSC, a estudante participava de uma reunião similar, porém organizada pelo grupo ChiAlpha, que tem por objetivo evangelizar universitários. Esse grupo acabou encerrando suas atividades no Instituto porque os organizadores deixaram de estudar no local. Ela e outros ex-participantes decidiram continuar se reunindo para falar da fé, mesmo sem uma coordenação oficial.
Ao contrário do ChiAlpha, as meninas que se reúnem na Faculdade Inesa não consideram a reunião evangelística, mas acreditam que, através da união e da fé, podem fazer uma diferença positiva na instituição. “Se permanecemos em Cristo, os frutos serão naturais”, afirma Suzana. É por esse motivo que elas não fizeram questão de divulgar os encontros. Chamaram apenas seus colegas de classe a partir de um grupo de WhatsApp, mas qualquer interessado pode participar.
A coordenadora do curso de Pedagogia, Vilde Dalmônico, da faculdade Inesa reforça a importância de manter um equilíbrio entre o intelecto, o físico e a espiritualidade. “São três pilares que precisam estar equilibrados”, afirma a pedagoga. A experiência dela com esse tipo de grupo dentro da instituição é positiva, por isso ela faz questão de incentivar as meninas e ceder uma sala para que os encontros aconteçam. Outros alunos já tiveram esse tipo de iniciativa, mas não persistiram. Houve um grupo de alunos católicos e evangélicos que, motivados pela fé, demonstraram atitudes de amor e empatia quando Vilde perdeu sua mãe. Esses alunos se organizaram, fizeram uma escala entre eles para ficar ao lado dela no velório. “Eu achei um gesto muito bonito”, comenta a professora.
Assim como este grupo, existem outros espalhados por universidades do Brasil. Em Joinville, existem encontros organizados e apoiados por igrejas, como o Insight, nome de encontros semanais ou quinzenais organizados pela igreja Onda Dura. O Deeper é um braço do Atração, grupo de jovens da igreja dos Filhos. O grupo mais antigo é o ChiAlpha, organizado com apoio da igreja Assembleia de Deus.
Espiritualidade e a ciência
O Insight acontece quinzenal ou mensalmente na hora do intervalo, em instituições como a ACE, Univille, Unisociesc e Udesc. O encontro é um braço do Somma Universitário, uma espécie de culto que acontece na igreja Onda Dura, com uma temática e linguagem voltada para os estudantes. A fundadora da reunião é a Pastora Kauane Linassi Leite, que também já passou pelo ambiente acadêmico como estudante de Psicologia. Ao se deparar com as dificuldades e dilemas dessa esfera, sentiu necessidade desse tipo de encontro para outros alunos, com o objetivo de ter um lugar em que pudessem buscar indicação com outros colegas a respeito de horas complementares, trabalhos, além de compartilhar dificuldades para fortalecimento e também a respeito da própria fé.
O ambiente acadêmico pode, muitas vezes, ser conflitante com as crenças relacionadas à espiritualidade, mas Kauane não vê as ideias contrárias como um aspecto desmotivador. Ela afirma que não deixava de estudar aquilo que ia contra sua fé em algum ponto, simplesmente escolhia e escolhe não trabalhar com determinada abordagem. “Eu creio que a Bíblia é a palavra de Deus, a verdade. Então tudo que a ciência descobre que é verdade, tem fundamento bíblico”, justifica. “Freud fala que a cura vem pela fala, Thiago já falava isso há muito tempo, quando a gente confessa nossos pecados e nossas fraquezas a gente é curado”, exemplifica.
A percepção de que o mundo da ciência e a realidade acadêmica apresentam várias teorias que muitas vezes se contradizem é a confirmação de que crenças pessoais são necessárias e Kauane acredita que esse filtro acontece por identificação individual.
Para a historiadora e professora Valdete Daufemback, esses grupos refletem o aspecto cultural e religioso majoritariamente cristão da população do Brasil, com 87% de habitantes que se declaram cristãos. “A universidade é formada por pessoas da sociedade e como a sociedade tem essa tendência religiosa é evidente que essas pessoas estejam dentro da universidade”, afirmou Valdete.
Embora a maior parte da população brasileira seja cristã, esses movimentos em sua maioria estão associados a denominações pentecostais ou neopentecostais que estão entre os 22,2 % dos evangélicos. “Está acontecendo hoje uma fervorosidade maior dentro das crenças religiosas”, observa Valdete.
Ambiente de identificação
Outro grupo presente nas instituições de ensino superior na cidade de Joinville é o Deeper, movimento organizado por membros da Igreja dos Filhos e braço do grupo Atração que é o grupo de jovens desta denominação. O formato é parecido com o de outros grupos, uma roda com alguns estudantes. Meia hora antes do início da aula, eles cantam, conversam, fazem uma reflexão pré-programada e oram. O grupo tem o intuito de falar de Jesus e não tem o costume de mencionar a igreja do qual ele surgiu nos encontros. “Uma das filosofias do Deeper é não levar a igreja para dentro da universidade, mas levar Jesus”, conta Dieimy, líder do movimento e também do grupo de jovens da igreja.
O fato de não estarem apegados à organização religiosa que frequentam pode ser comprovada pelos co-organizadores, ou seja, pelos estudantes que representam e aplicam o Deeper em cada faculdade. A maioria deles pertence à igreja evangélica que iniciou o movimento, porém, em uma dessas instituições o representante é membro da igreja Onda Dura. O grupo é aberto a participantes de diferentes credos. “Muitos que já creem em Jesus se aproximam, muitos católicos e até mesmo pessoas que nem gostam de religião”, contou Dieimy.
Respeito às diferenças
A estudante Julia Venturi faz Jornalismo na faculdade Ielusc, um dos locais em que o Deeper está presente. Ela nunca participou de uma reunião como essa, mas não se incomoda com os encontros, que muitas vezes ocorrem perto da sala da Aacom, Associação Atlética de Comunicação. “Acho legal que pessoas com uma fé consigam viver isso em um ambiente como esse, acho legal que eles consigam trazer essa espiritualidade”, opinou Julia. Ela compara a reunião com outros grupos de alunos com um assunto em comum, como a própria Atlética.
Uma preocupação comum para muitos jovens que estão cursando o ensino superior é como administrar a vida pessoal, profissional, estudantil e espiritual. Com esses encontros, muitos recebem o apoio que precisam ao ter uma alternativa acessível no seu dia a dia para se conectar com suas crenças religiosas. O pastor Sérgio Wruck Klippel, da Pastoral Escolar e Universitária do Bom Jesus Ielusc considera de extrema importância esse tipo de união. “Nesse meio, muitas vezes, somos confrontados com questões críticas, cujo valores são colocados à prova ao se ter contato com outros credos e com aquilo que a faculdade tem para oferecer. Então é importante que encontros assim aconteçam para que a fé individual não se perca”, explicou.
O zelo para com a liberdade religiosa dentro do campus é levado a sério na instituição luterana. Sérgio conta que esses grupos possuem liberdade dentro da instituição e, em certos aspectos, reforçam princípios que a instituição tem como base. “Não estamos livres de que tendências se sobressaiam sobre outras dentro do campus, porém zelamos muito pelo respeito, principalmente”, afirmou o pastor.