Eleitor bolsonarista pode ter sido um dos fatores de agravamento da pandemia em Joinville
Bairros mais distantes do centro apresentam menos testes de covid-19
Por Isabela Peixer
Foto de capa: Kevin Eduardo
Eleitor bolsonarista, de um bairro afastado do centro da cidade, mas com alto poder aquisitivo pode ter sido o responsável pela intensificação dos casos de covid-19, em Joinville. Além disso, a distância dos bairros com a região central também apresenta influência nos resultados de testagem do vírus.
Dentre os bairros do município, sendo a região com o maior número de infectados, relacionando a quantidade de habitantes por casos de coronavírus analisados até o dia 1º de setembro, Pirabeiraba teve aproximadamente 62,51% dos moradores positivados para covid-19. São 3.073 casos para uma população de 4.916, ocupando uma área de 6,09 Km² – embora uma pessoa possa ter testado positivo mais de uma vez.
Esse bairro também chamou a atenção por ser a região com maior número de mortes. São cerca de 12 mortes para cada 1000 pessoas, com 2,4 testes realizados para 1000 habitantes. Entretanto, mesmo com índice de óbitos elevado, o bairro também é a região com maior número de curados, sendo em torno de 616 curados para cada 1000 moradores. A relação de mortes para cada 1000 pessoas foi utilizada aqui a fim de igualar a população de cada bairro – lugares com maior número de moradores tendem a ter um maior número de mortes, curados e testes realizados.
Se relacionarmos essas estatísticas acima com as eleições de 2018, observamos que aproximadamente 87,50% da população desse bairro votou no atual presidente Jair Bolsonaro, conforme dados do Tribunal Regional Eleitoral (TRE). Pirabeiraba, São Marcos e Nova Brasília são os três bairros com maior percentual de apoiadores do presidente. Destes, o único que se encontra abaixo da média municipal, que é por volta de 3 mortes para cada 1000 habitantes, é o Nova Brasília. Neste bairro, 15,83% dos moradores testaram positivo para covid-19, a média desta região é de 2,3 mortes para cada 1000 pessoas. São Marcos teve 21,13% da população infectada, totalizando 4,4 mortes pela mesma relação.
O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) já se mostrou contra a vacina, o distanciamento social e o uso de máscaras em diversas situações, além de apoiar o tratamento precoce, desestimulando seus eleitores a tomarem a vacina. “Esse tipo de hábito influencia de forma direta seus apoiadores a seguirem na mesma linha de pensamento. O apoio ao tratamento precoce, por exemplo, é uma situação clássica de como a influência pode ser perigosa para o combate à pandemia e ao vírus”, disse o mestre em ciências sociais Sergio Cerruti.
Nessa mesma análise, o bairro Ulysses Guimarães foi o que teve a menor porcentagem de eleitores do atual presidente em Joinville. Cerca de 74,20% dos moradores da região votaram em Bolsonaro. Apenas 11,56% dessa população foi infectada por covid-19. Isso representa 1.307 dos moradores da região – a média de infectados por habitante entre os bairros é de 19,49%. O número de mortes neste bairro também foi baixo. Apenas 2,1 mortes são registradas para cada 1000 moradores. O bairro se encontra entre os quatro com menor porcentagem de infectados, estando atrás do Rio Bonito, Zono Industrial Norte e Profipo, respectivamente.
Vale ressaltar que em Joinville aproximadamente 83,06% da população total votou a favor do atual governo. Dessa maneira é difícil afirmar com precisão que determinado bairro ou classe social foi mais afetado por esse posicionamento governamental. Conforme Cerutti, a questão política que diz respeito ao discurso negacionista e à defesa do tratamento precoce é algo difícil e perigoso de ser abordado, pois Joinville é uma cidade que Bolsonaro teve voto expressivo em todos os cantos e classes sociais. “É difícil definir se um bairro ou uma classe social esteve mais refém desse posicionamento governamental ou não”, conclui o sociólogo.
Mesmo que não tenhamos diferenças tão alarmantes nos dados, podemos verificar que há divergências na forma com que as classes sociais puderam lidar com a pandemia. De acordo com a análise, os bairros com maior distância do centro, sendo a maioria periférica com o rendimento médio mensal abaixo da média da cidade – que atualmente é próximo de R$ 2.300 no município – tendem a ter menos testes de covid-19.
Para Cerutti, esse é um padrão que se repete não só em Joinville, mas em todo o Brasil. Bairros com uma distância maior da área central tendem a ter menos investimentos. Ele ainda comenta que é muito mais fácil uma pessoa que mora no centro sair da sua casa assim que começar a sentir os sintomas do que um morador de bairro periférico. Pessoas que moram mais perto da região central, por terem uma melhor condição financeira, tendem a ter mais e melhor acesso aos serviços de saúde, seja indo até os lugares públicos de testagem ou comprando os testes em farmácias.
Para identificar a magnitude do problema, seria necessário que se tenha dados de uma amostra representativa da população, e não apenas de pessoas mais prováveis de testar positivo para o vírus. A divergência apresentada no estudo de Pedro Hallal, por exemplo, mostra a diferença entre o número de casos oficiais e o número de pessoas na população que já tiveram contato com o vírus. De acordo com o relatório parcial da pesquisa, o número de infectados foi cerca de seis vezes maior que o divulgado oficialmente, com base nos resultados das três primeiras fases da pesquisa nacional.
A área de cada bairro também pode estar relacionada com a intensificação dos óbitos causados pelo coronavírus. A média de óbitos dos 10 maiores bairros (52,4 óbitos) é 147% maior que a média de óbitos dos 10 menores bairros (21,2 óbitos). “Isso é esperado, considerando que grandes bairros tendem a ter maior contingente populacional. Mas, isso não é uma regra. O bairro pode ter extensa área geográfica, mas ser muito acidentado (morros, encostas, etc), o que dificulta sua ocupação”, concluí o epidemiólogo Menegon.
Ainda que cada cidade tenha sua própria linha de tendência para cada bairro, a forma de planejamento dos municípios interfere diretamente na propagação de doenças. A densidade populacional, sem espaços públicos adequados ou com uma oferta de habitação popular menor do que a demanda, traz riscos à população. Foi por isso que muitas das leis e regulamentações habitacionais foram implementadas na Europa depois da epidemia de cólera no século 19. Depois desse episódio, regulamentações habitacionais, com foco na iluminação e na circulação de ar, foram introduzidas em cortiços superpopulosos, para evitar novas doenças e a contaminação em massa.
Partindo disso, a Covid-19 também pode trazer mudanças de planejamento habitacional ao país. Medidas temporárias que podem facilitar o cumprimento do distanciamento social pela população, ou até mesmo mudanças que melhorem o acesso à moradia e ao espaço público devem ser repensadas pelo Estado. Conforme a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), 23,5% da população brasileira não vive em uma moradia plenamente adequada. Do total, a área urbana reúne 15,7% da população nessas condições, enquanto 7,8% estão em área rural.
No Brasil, cada município teve a responsabilidade de fazer as testagens e decretos de acordo com a realidade de cada qual. Sem essa padronização de coleta de informação, os dados não podem ser considerados precisos. Atualmente, os dados sobre a covid-19 são disponibilizados com a análise de nível nacional, enquanto muitas decisões sobre contenção de qualquer da pandemia são tomadas em nível local.
A análise dos dados e informações utilizados ao longo da matéria, foi feita a partir de números disponibilizados pela prefeitura, com materiais mais recentes até o início da análise. A quantidade de habitantes foi retirada da estimativa da população de 2020, realizada pelo IBGE. O rendimento médio mensal, a distância até a região do centro e a área total foram retirados do documento Joinville Bairro a Bairro de 2017. Por fim, os dados de óbitos, positivados e curados foram organizados por meio do Painel da Covid-19 Joinville, também disponibilizado pela prefeitura.
Testes de covid-19
A testagem é uma das melhores formas para se monitorar uma epidemia. Ela permite identificar um padrão em grupos e regiões. Com esse suporte, teríamos mais exatidão para os processos de relaxamento ou intensificação das medidas restritivas de combate ao coronavírus na cidade. Conforme o site oficial da Fiocruz, no Brasil, as testagens são feitas sem planejamento e sem nenhum objetivo real. Não há um indicador confiável sobre os resultados, já que o registro dos testes realizados e o total de resultados positivos para Covid-19 estão disponibilizados por meio de três diferentes sistemas de informação que divergem entre si: GAL, eSUS-VE e SIVEP-Gripe.
A distribuição de testes no município tem relação com a necessidade de testagem, ou seja, com a suspeita de casos positivos. Ela não é – ou não deveria ser – direcionada por critério geográfico ou de renda. Conforme o epidemiólogo e pesquisador da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Fabrício Menegon, observou: “a média de testes realizados para os 10 bairros mais próximos do centro (8.970 testes) é 40,7% maior que a média de testes disponibilizada para os 10 bairros mais distantes (6.375 testes).
Esses números são apenas dos casos notificados. Eles não aprofundam a real prevalência de Covid-19 na população. Conforme estudos realizados por um grupo de pesquisadores da Universidade Federal de Pelotas, coordenado pelo epidemiologista e reitor da UFPel, Pedro Hallal, esses dados são ligados a muitas limitações, já que pessoas com sintomas mais severos tendem a realizar o teste com mais facilidade dos que apresentam sintomas leves ou são assintomáticos.
Projeção da covid-19 em Joinville
Em Joinville, o primeiro caso de Covid-19 foi descoberto em 13 de março de 2020. Desde então o número de infectados em todo município foi aumentando de forma rápida e incontrolável. Após vários decretos para tentar controlar a circulação de pessoas, até o dia 1º de setembro, de acordo com o Painel da Covid-19 disponibilizado pela prefeitura, a cidade contava com aproximadamente 104.658 casos positivados e 1.595 mortes causadas pelo vírus.
Desde o dia 25 de junho, o município estava categorizado no nível gravíssimo na matriz de risco da covid-19, comparando com Santa Catarina. Após três meses, com a intensificação de mutirões de vacinação, a cidade conseguiu passar para o nível grave. Atualmente, a cidade