Cena autoral do rock joinvilense une diferentes gerações
O rock autoral produzido em Joinville começou a se consolidar nos anos 80 e se mantém renovado até hoje. Bandas da cidade já gravaram discos e CDs, viajaram para outros estados e continuam lançando novidades. Com produções que vão de festivais locais a gravações com o ex-tecladista da Legião Urbana, os grupos demonstram união, mesmo em uma época na qual o gênero não está no pico da cena musical brasileira. São jovens e adultos com muita coisa para contar sobre o passado, o presente e perspectivas de futuro da música na cidade.
Lá em 1986 nascia a Atrito, com três integrantes: Robert Lemke, vocalista, Alex Püschel na bateria e Alexandre Maia de Moraes no baixo. Influenciados por bandas como The Smiths, The Clash, Legião Urbana e Nenhum de Nós, a Atrito gravou as primeiras músicas em 1987, começando então a fazer parte da programação das rádios locais. O primeiro disco – lançado em 1989 – foi uma parceria com a H2O, outra banda famosa na Joinville da época. Atualmente, o grupo faz shows com covers das mais diversas bandas, desde Linkin Park até Foo Fighters. A formação também está diferente: além de Alexandre e Robert, Edson Brusque toca guitarra, e Tiago Nielson é o baixista.
Outro grande nome do rock joinvilense na década de 80 foi a banda Invasão Básica. Formada pelos irmãos Júlio e Alexandre do Amaral (baixo e vocal, respectivamente) e por Muni Paul (guitarrista), o grupo também começou suas atividades em 1986. Com dois discos e um CD gravados, a banda passou muito tempo fazendo sucesso nas rádios joinvilenses, além de fazer shows fora da cidade e do estado. O primeiro LP saiu em 1989, intitulado “Ondas de Imagens”. Na época, era raro que bandas gravassem discos sozinhas, pois geralmente faziam trabalhos em conjunto com outros grupos. Em 1994, lançaram o segundo EP, “Dois Dias”. Na época, foram para São Paulo e, em 1997, a Invasão Básica gravou um CD no Estúdio AR, localizado no Rio de Janeiro (um dos maiores do Brasil na época, produzia trabalhos de bandas como Legião Urbana e Skank), graças à um empresário joinvilense que decidiu apostar no trabalho deles, que contou com o ex-produtor da Legião, Fábio Henrique, e o ex-tecladista da mesma banda, Carlos Trilha. Contudo, a obra nunca foi lançada, pois na época o consumo de CD’s estava caindo, dando espaço aos downloads. Depois disso, os integrantes da Invasão voltaram para Joinville onde permanecem até hoje fazendo shows nos quais só tocam músicas do rock brasileiro, produzidas a partir dos anos 80.
Para o baterista da Atrito, Alex Püschel, a cena musical de Joinville mudou muito da década de 80 para cá. “Gravar hoje é muito fácil, temos estúdios espalhados pela cidade com toda a estrutura necessária e custo razoável”, diz. “Hoje temos estúdios para ensaio, coisa que na época era raro”. Júlio do Amaral Neto, baterista da Invasão Básica, compartilha da opinião. Ele conta que antes era difícil até arranjar instrumentos e equipamentos de som. “Com qualquer celular tu grava um show, tira uma foto e já monta um trabalho”.
Sangue novo nos palcos
Se os veteranos continuam a contribuir para a cena, o rock joinvilense também se renova com jovens talentos. Um exemplo é a Severinos, que fez seu primeiro show em junho de 2017. Formada por Nathan Farias, Bruno Nunes, Guilherme Hafermann (“Nego Jordan”) e Marcos Prochnow Júnior (“Batatinha”), a banda toca músicas autorais e covers. Para o guitarrista e vocalista Nathan, o que dificulta a produção de música em Joinville é a falta de grandes estúdios e produtores na cidade. No entanto, na opinião dele, algo que fortalece a cena do rock local é a união existente entre as bandas. “Não existe concorrência na música”, diz. “Sempre que um estilo musical esteve em evidência na história, é porque havia várias bandas fazendo aquilo e crescendo junto.”
Não tão recente quanto a Severinos nem tão antiga quanto a Atrito, a banda Fevereiro da Silva foi formada em 2007. Com dois álbuns lançados, atualmente o grupo é formado por Augusto (guitarra e vocal), Lucas (bateria), Daniel (baixo) e Guima (saxofonista). O guitarrista conta que nunca quiseram fazer cover, a proposta sempre foi fazer música autoral. Tocaram no Planeta Atlântida em 2012 e abriram um show do Nenhum de Nós no mesmo ano. O primeiro álbum, chamado “Posso ser o autor?” saiu em 2011. O segundo, “Baile Sonhador”, foi lançado em 2015. Desde então a Fevereiro da Silva vem fazendo shows em Joinville, Florianópolis, Blumenau e outras cidades.
Prova do clima amistoso e entre as bandas da cidade é o baterista Tiago Luis Pereira. Ele toca nas bandas Mosaico Adulto (que fundou em 2014 com três outros amigos) e na Somaa (formada em 2011). Os dois grupos têm influências de músicas dos anos 80, 90 e 2000.
Outros estilos ganham a preferência do público
Ainda que Joinville tenha essa história com o rock autoral, a perspectiva das bandas para o cenário nacional não é tão animadora. As pessoas ouvem menos rock no Brasil. Plataformas musicais como o Spotify e o Deezer disponibilizam rankings diários ou semanais com as músicas mais ouvidas naquele período. No “Hot 100” da Billboard Brasil (ranking geral do site com as músicas mais ouvidas em várias plataformas), as cinco primeiras posições são ocupadas por duplas ou cantores sertanejos, sem muita variação entre os dias. No “Top 200” do Spotify, as posições variam principalmente entre duplas sertanejas e MCs de funk.
Para Nathan Farias, a queda do rock nos rankings nacionais é uma tendência desde os anos 90, quando surgiu o grunge (subgênero do rock), um estilo que subiu e desceu muito rápido. Quando isso aconteceu, outro subgênero nasceu para recompor a cena: o pop punk (bandas como Detonautas, CPM 22, entre outras). “E aí o que aconteceu, quando essas bandas morreram, o rock nacional virou basicamente só isso. Então o resto do rock não tinha a força que os outros estilos tinham, aí teve uma queda”, analisa.
O jornalista e mestre em Patrimônio Cultural e Sociedade Marcus Carvalheiro avalia a situação de um ponto de vista mercadológico. O rock surgiu no Brasil como uma alternativa nas décadas de 50 e 60. Antes disso, consumia-se apenas MPB, música clássica, música religiosa, gêneros caros de se produzir. Mas o rock era barato, feito por jovens, o que fez o estilo se tornar popular entre os produtores brasileiros. “Porém, a partir da década de 80 as bandas se firmaram no mercado e começaram a ser caras também”, conta Carvalheiro. “O mercado precisou buscar outros estilos mais baratos para investir, que tornassem mais baratas a gravação”. Com isso, gêneros como o funk e o sertanejo conseguiram seus lugares nas gravadoras segundo o jornalista.
Para quem gosta de rock n’ roll e quer acompanhar mais de perto as bandas joinvilenses, lugares como o Porão da Liga, o Didge, a Casa 97, entre outros, costumam apresentar bandas todos os finais de semana, além de promoverem outros eventos relacionados a esse gênero musical.
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Matéria incrível! Vale lembrar também da Núcleo Sul, que apesar de também tocar covers, lançou um disco próprio em 2004 🙂