Movimento estudantil busca mais espaço em Joinville
* Atualizada em 3/4/2019, às 14h
Por Thiago Rodrigues e Vinícius Sprotte
São 16h de um dia nublado de março. Nesse horário, não há muitos alunos na Udesc. Próximo à entrada, encontra-se um banco, onde está Wictoria, usando uma blusa cinza. A aluna se desloca para a lanchonete ao lado da universidade, onde há mais alunos em suas mesas de plástico. Wictoria Souza, 21 anos, é estudante de Engenharia Civil e ingressou cedo no movimento estudantil. Ela cursou o Ensino Médio no Instituto Federal Catarinense (IFC), onde participou das ocupações das escolas em 2016. “Aqui as pessoas não se importam muito com movimento estudantil”, avalia a estudante. Atualmente, a universitária é uma das coordenadoras do Diretório Acadêmico Nove de Março (Danma).
Comportamentos inapropriados, inclusive denúncias de assédio sexual na instituição, estão entre os problemas mais frequentes e de maior gravidade enfrentados pelo Diretório. Ambiente em que a presença masculina se mostra mais expressiva, o campus da Udesc, em Joinville, torna-se muitas vezes hostil para as mulheres. “Tem até professor que olha para a bunda das alunas e nada é feito”, afirma a universitária.
A reclamação mais frequente recebida pelo diretório é sobre a falta de didática de alguns professores ao repassarem o conteúdo. Quando o diretório recebe várias reclamações acerca de um professor não concursado, busca apurar as denúncias e, se confirmadas, o caminho é pressionar a administração para providenciar a substituição. Com professores concursados, a estabilidade na carreira dificulta tomar alguma providência. O Danma também cobra da administração melhores condições de infraestrutura. Enquanto Wictoria relata as principais lutas do diretório, aponta para três cães largados no local. O diretório também possui um projeto para estimular a adoção dos cachorros que vivem no campus.
Engajamento político
Uma das queixas de Wictoria é a falta de incentivo ao envolvimento político. “No ano passado, quando eu nem estava na gestão, o diretório postou #EleNão nas redes sociais. Nos comentários, reclamaram muito dizendo que não era o papel do diretório se envolver com política. E isso está muito errado, movimento estudantil tem tudo a ver com política e pode muito bem se manifestar”.
A vontade de se engajar politicamente não se restringe à Udesc. Bruna Medina, estudante de História e uma das coordenadoras do Centro Acadêmico Livre de História Eunaldo Verdi (Calhev), da Univille, ao falar da relação entre movimentos estudantis e a política atual, conta como Marielle Franco serve de inspiração. “Hoje ela [Marielle] se tornou uma grande inspiração para os movimentos de mulheres e para o Calhev, que tem um grupo composto mais por mulheres.” Segundo a acadêmica, isso se deve ao lugar político e de resistência que a vereadora ocupava. “Ela acabou se tornando um símbolo inspirador de força política, tanto que quando se fala dela, fala-se do ato político, na opressão do Estado, desigualdade social e o machismo impregnado na sociedade”, analisa.
Criado em 1987, durante o governo Sarney, o Calhev foi fundado por acadêmicos de História críticos do Regime Militar. O grupo aproximou-se do PT no começo da década de 90, por questões de alinhamento ideológico. “Atualmente a nossa gestão não acredita nos políticos em geral, então não é da nossa conduta contatar um vereador, um secretário”, conta João Pedro Gillet, 21 anos, estudante de História. Segundo ele, o diretório dificilmente atende a pedidos de políticos quando estes solicitam conversar com os estudantes. Isso ocorre para evitar que usem a universidade como palanque eleitoral. O acadêmico observa que hoje, em Joinville, não existe vereador ou secretário de esquerda. “Não tem ninguém comprometido com a defesa do professor, com a defesa da ciência e da cultura. Então, mesmo que tivesse, a gente não faria o diálogo, até porque o estatuto coloca o Calhev como apartidário”, justifica.
Ielusc tem dificuldade para manter movimento estudantil
Apesar de a Faculdade Ielusc se destacar pela participação de seus estudantes em movimentos sociais e até na política eleitoral, com egressos eleitos para a Assembleia Legislativa, como Kennedy Nunes e Patrício Destro, ou que se candidataram nas últimas eleições, como Leonel Camasão – que disputou o governo do Estado – o movimento estudantil atravessa alguns anos de desarticulação.
Fernanda Eliza Silva, de 22 anos, recém-formada em Jornalismo pelo Ielusc, destaca alguns motivos da estagnação do DCE (Diretório Central Estudantil). Segundo a jornalista, havia uma mescla entre pessoas já acostumadas a se envolver com movimentos sociais com outras não habituadas a esse meio, mas ninguém tinha experiência com movimento estudantil. “Ao invés de fazer um DCE para a faculdade inteira, como a gente não tinha ninguém com experiência no movimento estudantil, pensamos em fazer apenas o CA (Centro Acadêmico), voltado apenas para os alunos de PP e Jornal”, explica. A intenção, conforme Fernanda, era evoluir para o DCE. Entre 2016 e 2017, ela e seu grupo leram os estatutos, a fim de montar uma chapa e uma comissão de eleição. “Tinha um aluno que estava no último semestre e outros dois que estavam no penúltimo e acabou ficando corrido. Não conseguimos nos encontrar para fazermos o planejamento.”
Chegou-se a pensar na criação de um Centro Acadêmico autônomo, onde mais pessoas pudessem entrar ao longo do processo, sem a necessidade de votação, mas sim pela vontade de contribuir com o projeto. “Pretendíamos tomar decisões em comum acordo, sem alguém mandando e desmandando”, afirma Fernanda. Nada disso, porém, concretizou-se e o Ielusc segue sem DCE formado.
DCE e CA
A diferença entre DCE (Diretório Central Estudantil) e CA (Centro Acadêmico), à primeira vista, pode parecer nula, porém, são coisas distintas. Enquanto o CA serve para atender às reivindicações dos estudantes de um curso específico, o DCE serve para representar os estudantes de uma instituição de ensino inteira, de todos os cursos.
* A alteração ocorreu no trecho: Segundo a jornalista, havia uma mescla entre pessoas já acostumadas a se envolver com movimentos sociais com outras não habituadas a esse meio, mas ninguém tinha experiência com movimento estudantil.