Vendas virtuais ameaçam livrarias
Por Luana Verçosa
Conforme os resultados da Pesquisa Produção e Venda do Setor Editorial Brasileiro, o mercado editorial teve um decréscimo real de 4,5% em 2018, mesmo considerando a inflação do período. O levantamento divide o desempenho das editoras entre “mercado” (venda em livrarias, distribuidores, escolas, igrejas, bancas, etc) e “governo” (programas de compras para estudantes e bibliotecas escolares), e os piores números foram nas vendas para o mercado, chegando a decair 10,1% em relação ao ano anterior.
As livrarias já não são a única forma de comercialização de livros no Brasil. Elas ainda têm uma participação muito relevante, mas que está em declínio. Em 2018, foram responsáveis por 50,45% do faturamento das editoras – uma queda de 20,84% – e por 46,25% dos exemplares comercializados (-20,62%). Esse modelo de negócio está perdendo espaço para outros canais em crescimento. As distribuidoras (27%), marketplaces (29%) e livrarias virtuais (25,2%) foram destaques em faturamento.
Em número de exemplares comercializados, os meios que registraram maior crescimento, mesmo que alguns tenham pequena participação do mercado, foram bibliotecas privadas (72%), livrarias exclusivamente digitais (32,8%), marketplaces (31,2%), distribuidores (17,4%) e empresas (13,1%). Os resultados de venda só não foram piores por causa das compras do governo (em todas as esferas), que são sazonais, e por isso sujeitas a oscilações ano a ano.
O aumento mais significativo que pode ser observado no relatório é o do preço dos livros. O valor médio dos exemplares teve um acréscimo em todos os subsetores: os didáticos ficaram em uma faixa média de R$ 34,65, com um aumento de 5,59%; obras gerais ficaram 7,07% mais caras (R$ 11,60 em média); volumes religiosos e CTP (Científicos, técnicos e profissionais), foram os que tiveram os menores acréscimos (3,64% e 3,89%), custando, respectivamente, R$ 9,49 e R$ 46,53. Esses valores não são referentes ao preço final, pago pelo consumidor, mas a uma média do que recebem as editoras.
Preço ainda assusta
O preço alto dos livros é um dos principais fatores para as pessoas passarem longe das livrarias na hora de comprar. O estudante de Jornalismo Diego Mahs costuma comprar cerca de 4 ou 5 volumes por mês e, na maioria das vezes, opta por plataformas online ou sebos, onde encontra exemplares mais baratos. “Na verdade, eu prefiro comprar livros em livrarias, pela questão do cuidado, do cheiro de novo… Às vezes, quando você compra em sebo, já vem riscado”, confessa o estudante. Mas ele também aponta que a diferença de preços entre as livrarias físicas e os sebos acaba levando à compra de um livro usado. Além do mais, o valor final costuma ser irredutível nas livrarias. Nos sebos, além da opção de pagar uma parte da compra com outro título usado, os clientes se sentem mais à vontade para negociar o preço que vão pagar, principalmente por não se tratar de um produto “zero”.
Mas, no fim das contas, a experiência de comprar livros em lojas físicas, sejam eles novos ou usados, não é muito distante, segundo analisa Mahs. “Ambos os modelos de negócio precisam trabalhar para superar os e-commerces. O que as livrarias e os sebos pecam bastante é em não transformar o ambiente da loja em um espaço cultural”, avalia. Na opinião dele, livrarias e sebos precisam promover mais eventos culturais para atrair clientes e disseminar a importância do livro. Oferecer vantagens aos clientes, como cartões de fidelidade ou descontos também são estratégias recomendadas pelo leitor.
A importância dos livreiros
“Eu acho que as pessoas vão até as lojas físicas pela experiência”, é o que defende Catherine Kuehl. Ela trabalhou como caixa de uma livraria durante três anos. “As pessoas gostam de ter alguém que as atenda, pegando os livros e entregando na mão. Elas gostam do tratamento. Não é o produto que importa, é a experiência da compra”, explica.
Catherine conta que o emprego na loja foi sua primeira oportunidade no comércio, e que não lhe foi exigido nenhum tipo de formação ou conhecimento específico. “Perguntaram se gostávamos de ler, eu sempre fui apaixonada, mas não sei se isso influenciou a decisão deles por me contratar.” Ela também relata que sempre ganhou livros enquanto trabalhava lá, por participar de treinamentos ou como reconhecimento por ter batido alguma meta.
Trabalhar na livraria foi a realização de um sonho de criança de Catherine, no entanto, há alguns anos, as grandes livrarias mudaram bastante o seu modelo de negócio. Se antes elas podiam ser charmosos espaços culturais, hoje a maioria está localizada dentro de algum shopping. Os produtos não se restringem mais a livros e os salários oferecidos aos atendentes são cada vez mais baixos. Somando isso a todas as outras dificuldades de atuar no setor de vendas, a função do livreiro pode acabar se tornando bem pouco desejada. “O comércio é um meio ingrato. Durante esses três anos, eu fui desrespeitada por clientes, presenciei episódios de machismo e racismo. Vi uma amiga angolana chorar por que uma cliente recusou-se a ser atendida por ela”, conta.
O papel de curador foi se perdendo com as novas tendências do mercado e, com isso, perdeu-se um dos principais trunfos da experiência de compra em lojas físicas. A transformação do livreiro em um simples vendedor também acaba, de certa forma, contribuindo com a depreciação das livrarias, que se tornam apenas uma loja qualquer. “Elas vendem um bem importante para a manutenção da vida em sociedade, vendem conhecimento. Informação é um direito humano”, argumenta Catherine. “Só que isso não é valorizado como deveria, nem muito procurado.”
Luta por espaço no Mercado Editorial
Segundo a doutora em teoria literária e pesquisadora Regina Dalcastagnè, o campo literário brasileiro ainda é extremamente homogêneo. Em seu livro Literatura Contemporânea Brasileira, um território contestado (2012), ela defende que, apesar de ter ocorrido uma ampliação de espaços de publicação, tanto nas grandes editoras comerciais quanto nas pequenas casas editoriais, com edições pagas, blogs ou sites, esses espaços não são vistos da mesma forma e não têm o mesmo valor para a visibilidade dos autores.
“Publicar um livro não transforma ninguém em escritor, (…) alguém que está nas livrarias, nas resenhas de jornais e revistas, nas listas dos premiados dos concursos literários, nos programas das disciplinas, nas prateleiras das bibliotecas.” Ou seja, apesar de conseguirem ter seus livros publicados, muitos escritores e escritoras não conseguem alcançar o devido reconhecimento por suas obras. Os autores que serão lembrados por esse título, conclui a pesquisadora, são geralmente parecidos entre si: pertencem a uma mesma classe social, têm a mesma cor e o mesmo sexo.
Dalcatagné menciona que em todos os principais prêmios literários brasileiros (Portugal Telecom, Jabuti, Machado de Assis, São Paulo de Literatura, Passo Fundo Zaffari & Bourbon), entre os anos de 2006 e 2011, foram premiados 29 autores homens e apenas uma mulher (na categoria estreante, do Prêmio São Paulo de Literatura). Outra pesquisa, mais extensa, coordenada por ela na Universidade de Brasília, mostra que, de todos os romances publicados pelas principais editoras brasileiras (Record, Companhia das Letras e Rocco), em um período de 15 anos (de 1990 a 2004), 72,7% dos autores eram homens.
Ainda mais grave que a baixa presença de mulheres é a homogeneidade racial: 93,9% dos autores e autoras eram brancos, 3,6% não tiveram a cor identificada e os “não brancos” somavam apenas 2,4 pontos percentuais. Além disso, mais de 60% deles viviam no Rio de Janeiro ou em São Paulo. Esse cenário evidencia prejuízos tanto pela ausência representativa de mulheres e negros no circuito literário mais prestigiado, quanto pela limitação da produção considerada relevante, pelo mercado, ao território geográfico onde estão as maiores editoras, distribuidoras e livrarias do Brasil.
Com o objetivo de romper com esse sistema de distribuição reproduzido desde o século 19, que empodera apenas as grandes empresas do ramo editorial no país, a jornalista e escritora goiana Larissa Mundim fundou, em outubro de 2017, a ONG e-cêntrica. Sob a coordenação da Casa da Cultura Digital (GO) e com o apoio da Lei Goyazes, a iniciativa propõe a conexão entre agentes estratégicos, realizando um mapeamento para a construção de um banco de dados onde curadores, leitores, pesquisadores e publishers poderão localizar autoras e autores, coletivos, pequenas editoras e outros profissionais autônomos como ilustradores, designers, fotógrafos, diagramadores, editores e revisores em todas as regiões brasileiras.
Depois do mapeamento, o objetivo é criar uma rede de articulação de produtores, por meio de encontros e, futuramente, de uma loja virtual coletiva que cobre uma taxa de administração justa. No entanto, antes do e-commerce, surgiu um ponto de vendas físico para livros especiais, zines e artes gráficas, em Goiânia. O lugar chama-se O Jardim, e não é uma livraria. É um jardim mesmo. Nas palavras de Larissa Mundim: “um conceito expandido de livraria, um conceito expandido de livro”.
A e-cêntrica também colabora com iniciativas que buscam amenizar a invisibilidade histórica da produção gráfica e literária das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste do território nacional – sem a excluir o trabalho que é feito no Sudeste e no Sul – assim como o fortalecimento e a ampliação da visibilidade do trabalho da mulher cis e trans, no mercado editorial.
Além do projeto e-cêntrica, Larissa Mundim também é coordenadora da Casa da Cultura Digital de Goiânia e dona da Nega Lilu Editora que, por meio de novas tecnologias, apoia ações de incentivo à qualificação de novos autores, a formação de leitores e a democratização do acesso à literatura. A editora fundou o Coletivo e/ou e mantém diálogo permanente com a Cidade, promovendo intervenções poéticas. Os integrantes do grupo são os autores e autoras selecionados pelos editais da Nega Lilu Editora para a Coleção e/ou, que atualmente somam 72 pessoas.
Outro projeto importante de incentivo à leitura no país é o coletivo Leia Mulheres. O clube brasileiro inspirado no #readwomen2014, projeto-manifesto criado pela escritora e ilustradora britânica Joanna Walsh, tem o objetivo de incentivar a leitura de obras das mulheres escritoras que sobrevivem a um mercado editorial com preponderância de vozes masculinas. A iniciativa foi trazida em 2015 para o Brasil pela consultora de marketing Juliana Gomes, a jornalista Juliana Leuenroth e a transcritora Michelle Henriques, em São Paulo. Atualmente mais de 50 cidades já fazem parte do projeto.
A partir de discussões de participantes do Leia Mulheres em Joinville, também foi formado o Coletivo Virgínia, que iniciou as atividades em 25 de janeiro de 2019, data do aniversário da escritora inglesa Virginia Woolf. O grupo é formado por 15 mulheres, de diversas áreas profissionais, como jornalismo, publicidade, direito, educação, administração, design, biblioteconomia, letras, entre outras, e seu objetivo principal é criar ações que facilitem e estimulem o acesso a obras escritas por mulheres.