Em busca de regularização: moradores de áreas de Marinha ainda enfrentam dificuldades
Ocupantes enfrentam há anos dificuldades de regularizar imóveis de áreas de manguezal
Por Anderson Marques
“Foi com esses velhos pés de quase 65 anos, que sujei várias vezes de lama para construir a minha primeira casa. Eu e minha família, não tínhamos para onde ir. Não tínhamos opção, se não ocuparmos o manguezal do que hoje seria o final do bairro do Boa Vista”. Esse é um pequeno trecho da história de Clemente Ferreira da Silva, aposentado que mora no mesmo lugar da primeira ocupação da área de manguezal, na região onde é atualmente a esquina das ruas São Borja e a Paramirim, por 24 anos, até se mudar para o bairro Petrópolis quando ficou viúvo e casou novamente, deixando o imóvel para as duas filhas que continuam morando até os dias de hoje no mesmo local.
Mesmo durante todos esses anos morando em área ocupada, o terreno de Clemente, ao longo dos anos, recebeu condições básicas de moradia, como água encanada e luz elétrica. Os impostos municipais, como o IPTU, sempre foram pagos desde o começo da ocupação dos manguezais da zona Leste da cidade nos anos 80. Já no início dos anos 2000, foi a vez de passar o asfalto em frente a casa, agora já de alvenaria e espaçosa. Mas todos os pagamentos de tributos de quase três décadas, não deram ao aposentado o direito de regularizar o imóvel dele.
Para a socióloga e historiadora, Valdete Daufemback, essa área do Boa Vista foi uma negociação entre a Marinha e a União na época do presidente Collor e o prefeito de Joinville, Wittich Freitag (1992-1996), que até mesmo incentivava a ocupação desses lugares. Na época, segundo ela, a Prefeitura ficou responsável pela distribuição desses lotes, mas dentro desse acordo os moradores já estariam cientes que jamais teriam condições de ter a escritura do imóvel, pois enquanto terra de marinha, o morador ocupante teria apenas uma concessão para morar.
Os primeiros ocupantes das áreas de manguezais acabaram vendendo os terrenos com o decorrer dos anos. Mesmo sem a documentação necessária para a venda, acabavam passando para terceiros através dos “contratos de gaveta”. Esse tipo de negociação é bem comum no Brasil, onde consiste em um acordo entre o vendedor e comprador sem reconhecimento oficial de uma imobiliária ou cartório.
Algumas famílias até conseguiram transferir de um morador para outro a matrícula do lote (é um registro que mostra quem é o proprietário legal, mas não com o mesmo valor de uma escritura), que consta normalmente no IPTU, pois nos anos 90, na gestão de Freitag, a prefeitura criou a Secretaria de Habitação de Joinville, com o então engenheiro sanitarista Marcos Tebaldi a frente com a responsabilidade de conter e organizar a urbanização das áreas de manguezais ocupadas, o projeto era denominado “Projeto Mangue”.
Foi nessa época que o pai da aposentada Doraci dos Santos comprou um lote quase no final da rua São Borja, no bairro Boa Vista. “O meu pai, hoje falecido, comprou o lote de um morador que já tinha ocupado a área do manguezal antes”, afirma a aposentada. Mesmo assim, atualmente, Doraci tem a matrícula do lote em mãos para uma futura escritura e regularização do imóvel.
Com a reorganização dos lotes feita por Marco Tebaldi à época em frente à Secretaria, depois como prefeito no final da década de 90 e início dos anos 2000, foi possível a criação de matrículas. Mas não a liberação de escrituras. Mas nem todos conseguiram ao menos isso, como seu Clemente, já citado.
A situação atual
Recentemente, a região do Vigorelli foi contemplada com a regularização fundiária, com a entrega do termo de Acordo técnico para Regularização Fundiária aos moradores da região. “Tudo isso graças ao fim de um impasse judicial que durou 30 anos e foi resolvido pela Prefeitura e o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em meados de junho, com a assinatura do Termo de Ajustamento de Conduta,” afirma a Prefeitura Municipal de Joinville.
Já o secretário de Habitação, Rodrigo Andrioli, disse: “estamos buscando dar mais celeridade aos processos”. Já existe um grupo de trabalho para discutir a revisão do decreto sobre a regularização para, justamente, sanar as barreiras que estavam impostas pelo entendimento da época”.