Desgraça da boa em Joinville
Por Fagner Ramos (Eferamos)
Artistas, público, organizadores não há quem estivesse ansioso por um grande evento de rock em Joinville após o hiato causado pela pandemia. O evento Desgraça Pouca é Bobagem que ocorreu no último dia 26, trouxe a Joinville as bandas locais de Heavy Metal Zoombie Cookbook e Battalion, na Yelo Stage.
Um pouco antes, abrindo os trabalhos, a banda Repudiyo, de Curitiba, mandou um som mais pesado, numa pegada trash com grind e posicionamento político aflorado. Sim, não foi só no Lollapalooza que o “Fora Bolsonaro” era o grito mais hypado do momento. Aqui também foi entoado por diversas vezes, e bem recebido pelo público.
Bandas do eixo Rio-São Paulo como Gangrena Gasosa e Test, nomes importantes do cenário underground nacional foram os headliners da noite, fazendo jus ao destaque dado pela produção do evento. Uma delas, veterana com mais de 30 anos de estrada, com um estilo todo próprio.
Começamos pelo duo paulistano da Test, uma banda com 12 anos de formação, que já percorreu quase todo o país no melhor estilo do it Yourself, tocando onde dão espaço. Os primeiros shows da Test ficaram famosos, pois a banda ia de Kombi — por isso o pseudônimo do guitarrista da banda Test é, João Kombi —, para portas de shows mainstream em estádios, montavam toda a aparelhagem, e faziam ali mesmo o som. Conversando com o baterista Barata, ele relata a saudade de voltar a fazer este tipo de show em SP, visto que em outros estados os shows são em festivais, bares e casas noturnas. Com um grind sujo e experimental, bem tocado, com instrumentos únicos e vocais gritados, a banda foi destaque da noite, arrancando aplausos, queixos caídos, e comentários da plateia sobre o quanto os caras são criativos. E são apenas dois em cima do palco.
Já a outra banda são os cariocas do “Gangrena Gasosa”. Eles tocam um Saravá Metal (Metal com ritmos derivados dos rituais Africanos) muito bem-feito, divertido, letras que te colocam dentro do universo das religiões de matrizes africanas, como o Candomblé e a Umbanda, misturando o protesto e o sarcasmo carioca. O Gangrena não só entrega a qualidade sonora, mas também toda a performance teatral, onde os integrantes se vestem com entidades das religiões e executam um rock calcado no Trash Metal, Crossover e letras em português. Temos o Zé Pelintra e o Omulú nos Vocais (Ângelo e Davi), Exu Caveira na guitarra (Murakami), Tranca Rua no baixo (Diego Padilha), Exu Tiriri na batera (Alex Porto), e a Pomba Gira na percussão (Gê Vasconcelos) imprimindo o batuque dos terreiros.
Com um show competente, calcado em todos os clássicos da banda e nos últimos trabalhos, como o disco lançado em 2018, intitulado “Gente Ruim Só Manda Lembrança Pra Quem Não Presta”, e músicas do EP Kizila, lançado em 2020, a plateia pulou, abriu roda e cantou músicas como “Encosto”, “Eu não Entendi Matrix” e “Se Deus é 10, Satanás é 666”. Lógico que ocorreram alguns percalços no meio do caminho como falhas aqui e acolá nos equipamentos da casa, mas quem está na caminhada underground, sabe que isso pode vir a ocorrer, porém o show foi entregue, o público aplaudiu, e saíram felizes, e com muita farinha de despacho no corpo. Sim, isso também faz parte do show.
Entrevista com a Banda Test e Gangrena Gasosa:
Revi: Como está sendo a receptividade do público nessa turnê pelo sul do país?
Thiago Barata (Baterista da Test): É até difícil dizer, porque está sendo muito foda. Começamos em Jaraguá do Sul, descendo até o Rio Grande, depois fomos para Santa Maria, Ijuí, Estrela e terminamos nossa turnê em Porto Alegre. Agora nos juntamos com a banda Gangrena fazendo quatro shows: Florianópolis, Pomerode, Joinville e Curitiba. Impressionante a receptividade de todo mundo e o quão bom está sendo os shows. Já avisamos a todos que em março do ano que vem (2023) estaremos de volta.
Revi: Os shows ocorreram no estilo antigo de chegar e montar a aparelhagem em qualquer lugar, ou está sendo mais em casas noturnas?
Thiago: Aqui no Sul não, mas em SP (São Paulo) nós fazemos os dois. Na rua faz um tempo que não fazemos nada, até porque curtimos abrir shows de bandas que gostamos. Colocamos as coisas na frente e saímos tocando. Mas nestes últimos anos, sempre que vinha alguma banda legal, já tínhamos shows marcados em outro lugar. Estava até conversando com o João que precisamos retomar esse esquema, pois a última vez foi com a King Diamond, quando abrimos o show para eles, e depois tocamos do lado de fora. No Sul, os shows estão sendo todos em casas noturnas, bares ou em estúdios. Nosso plano para o ano que vem é tocar no Chuí, provavelmente na rua, só para dizer que tocamos lá. Vamos ver se rola.
Revi: Chegaram tocar no Oiapoque?
Thiago: Ainda não, (risos). O único estado que não tocamos ainda no Brasil foi Roraima. Mas temos planos, estamos loucos para tocar lá.
Revi: Mais de 12 anos de banda, o que motiva vocês a estarem nesse caminho?
Thiago: É a coisa que mais gostamos de fazer. Eu ainda gosto de fazer outras coisas, andar de bicicleta, outros rolês, mas o João eu sei que ele gosta só disso. Apesar de gostar de outras coisas, estar na estrada conhecendo lugares e pessoas novas, tendo uma vida meio nômade, me agrada muito. Ver lugares diferentes, conhecer pessoas com realidades diferentes da minha, isso é muito bom. Mesmo assim, estando em vários lugares distantes, ainda me deparo com pessoas com os mesmos gostos musicais que o meu, isso é bem interessante.
Revi: Sobre o trabalho que vocês fizeram como Big Band. Alguma pretensão de retomar isso em algum momento, ou até mesmo excursionar e fazer shows deste tipo?
Thiago: Estamos pensando em fazer com a Big Band, mas com outros integrantes e num formato reduzido. Para viajar fica complicado, infelizmente. Quem sabe se um festival chamasse a gente ou com apoio da prefeitura para rolar. Queremos fazer e mostrar as coisas diferentes que fazemos, mas é difícil, por causa do custo e quantidade de gente.
Revi: Algum projeto novo, visto que em 2021 vocês lançaram “O Jogo Humano” e “Beautiful Day”?
Thiago: “O Jogo Humano” saiu em 2019 num disco completo em 12 polegadas, mas fizemos várias versões. No Bandcamp ele está desta forma, por exemplo, saiu um disco com 54 músicas, cada uma com uma palavra diferente e com outras montagens. Ao invés de ser as músicas separadas, as músicas acabam formando frases e dividindo eles em versões diferentes de cada disco. Dá para entender melhor indo no Bandcamp da banda.
Revi: Algo novo para sair este ano?
Thiago: Sim, gravamos o disco e vai se chamar “DISCO NORMAL”. Já temos camiseta da capa, mas o disco está em processo de mixagem e vai sair ainda este ano. Gravamos parte em estúdio e parte na rua, então na mixagem o João vai juntar as duas gravações. Por exemplo, pode haver faixa que a bateria da rua pode ter saído melhor que a bateria do estúdio, então provavelmente ela será usada, intercalando gravações de estúdio e rua. Junto do disco, vai sair um documentário todo esse processo de gravação, e nossa ideia é exibir em várias cidades diferentes. Estamos em conversas com algumas pessoas do Sul para ver onde podemos lançar e fazer as exibições.
Revi: Show fora do país?
Thiago: Vai rolar shows no EUA em agosto e setembro a princípio. E em março de 2023 estamos de volta ao Sul do Brasil de novo.
Revi: Como está a turnê pelo sul do país (mais precisamente Santa Catarina), e a receptividade do público?
Ângelo Arede (Vocalista da Gangrena): Rapaz, tá sendo incrível, a gente aqui no Sul, a gente só tem as melhores experiências, né? Nós viemos no Armagedom de que ano? 2019, tá aí o Clóvis que não me deixa mentir. Em 2019 nós tivemos aqui, e já foi incrível também, e cara e agora a gente tá aqui de volta, né? Com a Xaninho Discos e com a Mosh Productions e enfim, junto ali com a galera também envolvida, né? A galera do também Fernando Zimmermann e tal, e cara, tá sendo incrível, recepção ótima, tratamento melhor ainda, tudo certinho, tudo nos trinques, e o pessoal comparecendo em peso.
Revi: Joinville é uma cidade bastante conservadora, religiosa, reduto militar e bolsonarista. Vocês sentem ou se preocupam com esse lado conservador, até pela temática da banda ser de uma religião com bastante preconceito?
Ângelo Arede: Cara, assim, já começa que se a gente tivesse medo a gente nem se vestia de entidade. Então já começa por aí. Não vai ser meia dúzia de facho, bunda rachada que vai fazer com que a gente mude qualquer coisa que a gente queira fazer, sacou? Então assim, nós sabemos que existe essa fatia, né? Essa fatia da população que verdade não é só aqui não bicho, é no Brasil inteiro. Ó pra você ver esse lixo que está vestindo lá a faixa em Brasília, esse lixo é do Rio de Janeiro né velho? Então o Rio de Janeiro é assim, é metade dominada por traficante, metade dominada pela milícia. Então, velho, é assim em todo lugar, não é só no Sul que isso acontece não. Então, cara, a gente vem, e a gente vem na maior, bicho. A gente vem na maior, não tem essa não. na maior, se eles têm o direito de existir, que não deveriam nem ter, se eles têm o direito de existir, eles vão ter que segurar essa pemba aí, vão ter que aguentar a gente por um tempo ainda.
Revi: A banda conta com mais de 30 anos e lançou o último álbum em 2018 (Gente Ruim….), um EP Kizila em 2020. Tem algum álbum novo sendo feito ou algum projeto para comemorar essa data emblemática?
Ângelo Arede: Estamos sim meu irmão, estamos sim. A gente lançou o “Gente Ruim” em 2018 e aí nós excursionamos em todas as regiões do Brasil, né? 2018, 2019, quando em 2020 a gente chegou e é agora!! É agora esse momento, vamos soltar aqui, soltamos logo um EP como você falou. Agora a gente está na porra como se fosse no pique Anitta, sacou? A gente está pegando, está lançando o clipe, agora é só ir pra cima. Já com outras músicas preparadas também, né? Só que a gente acabou tendo que lidar com a pandemia, logo depois que nós lançamos o EP mais ou menos ali na época do Carnaval de 2020, né? E achamos que seria o último Carnaval da humanidade, bicho. Mas tudo deu certo e a gente tá aí de volta, cara. Esse ano a gente deve lançar o disco novo da Gangrena Gasosa, a não ser que os Exus tenham uma outra configuração guardada pra gente. Já estamos trabalhando nele.
Revi: A banda tem um respeito dentro da cena nacional, mas 30 anos no underground trás qual sentimento para a banda? O que motiva ainda a continuar?
Ângelo Arede: Só vale, irmão, só vale. É claro que vale. E cara, eu acho que a única resposta, a única não, mas eu acho que a resposta mais expressiva para isso é que a gente é teimoso. Então assim, eu sou teimoso, rapá. A gente segue com altos e baixos, já tivemos altos e baixos esses anos todos, né? É entre troca de formação, enfim, entre todas as dificuldades que qualquer banda underground tem, né? Nós conseguimos ali segurar essa marimba até o final e cara, é natural, bicho. É o que todo mundo que tá aqui tocando na Gangrena Gasosa hoje sabe que nasceu pra fazer. Então é bem natural.
Revi: Como anda o relacionamento com os antigos integrantes do Gangrena, visto que em algum momento eles entraram com uma ação contra vocês pelo nome da banda? Eles se apresentam como se fossem uma banda cover deles mesmos? Estão tranquilos quanto a isso?
Ângelo Arede: É. Rapaz, na verdade assim, eu não tenho muita vontade de falar de quem não gosta de mim, eu gosto de falar de quem gosta de mim. A única coisa que eu tenho a dizer sobre isso é o seguinte: O nome é registrado, entendeu? Não tem choro nem vela, nem fita amarela, e lugar de chorar é na cama quentinha. Então que vá chorar na cama quentinha que perdeu cara. Perdeu, num tem essa, só isso, só isso. Eu tô falando isso cê sabe por quê? Tô falando isso só por conta do nome, porque cara, eu estou na Gangrena desde 1994, né? E o pessoal foi saindo, então eu fico pensando, será que de repente vai acontecer alguma coisa? Será que vai mudar? Não vai mudar nada. Aqui é o “Dura Lex Sed Lex”. Firme e forte, pode vir, pode vir, que não tem essa não, e tem que chorar na cama que é um lugar quente.
Revi: Você (Davi) foi uma parte integrante muito importante da banda. Como é que está neste lugar?
Davi Sterminium (Omulú): Está sendo bom pra caramba. Eu acho que o Omulú é um orixá totalmente importante pra religião, né? É o orixá da vida, da morte. Então tem tudo a ver com a banda, sabe? Sobre os Exus, as entidades, a Kalunga que representa o Omolu, né? E tá sendo bacana pra caramba, só gratificação total.
Revi: A religião faz parte de fato da banda? Os integrantes a seguem? Ou ficou na temática e na parte teatral?
Ângelo Arede: É. Sim. É representação. O que a gente faz no palco é uma representação dos arquétipos da umbanda e do candomblé, não tem nada ritualístico, sacou? É só pra trazer pra dentro do Heavy Metal essa coisa do ocultismo, né? Trazer uma referência brasileira. E assim, eu no caso posso falar por nós dois, né? Que estamos aqui falando com você. Eu cresci no candomblé porque minha mãe é mãe de santo do, entendeu? Então a minha infância já foi dentro do terreiro. E agora o Davi que entrou, o Davi é Ogan, entendeu? Então é muito importante, porque a Gangrena Gasosa é aquilo. Representa Exu, mas não é ritualístico. Só que a gente acaba entrando dentro do mundo de Exu de tantas formas… Por exemplo, Exu ele fala sério rindo. Rindo ele fala sério. E é o que a gente faz, nós não temos nenhuma pretensão de ser uma banda gospel, né? Mas apesar disso nós agimos como Exu, a gente fala da coisa séria brincando, entendeu? Então é isso, a interpretação é essa, bicho.
Revi: Ângelo, e o trabalho de cartunista e ilustrador? Caminha junto com a banda? Ou um sobrepõe o outro?
Ângelo Arede: É rapaz, o que acontece é que na pandemia acabou todo o mercado de entretenimento, né? O mercado artístico. Então assim, tá beleza, ainda trabalhei, fiz alguns trabalhos durante a pandemia. Só que é aquilo, a pandemia meio que deu uma trava em tudo que não era serviço essencial pra você comer e pra você viver. Apesar de que você come, você dorme, você mora, mas pra você aguentar a sua vida (e na pandemia isso ficou bem claro), você precisa de arte.
Então de qualquer forma ninguém que estava na pandemia aguentaria sem arte, vivendo só com seu carro novinho. Não é isso? Quem estava na pandemia estava lá consumindo sua Netflix. Estava lá consumindo livros que são pra não pirar dentro de casa, né, bicho? Mas assim, a produção de novos trabalhos no meio de entretenimento ficou bem difícil, né cara? Se bem que agora já está normalizando, né? Num tá cem por cento, mas tá normalizando, e quanto ao que eu faço na galeria e o que eu faço com o meu trabalho de ilustrador… Cara isso tudo se cruza, né? Porque eu acabo fazendo as capas dos discos, eu acabo fazendo o site. Uhum. Então acabo fazendo merchandise da banda, né?! Cuidando das redes sociais. Então isso tudo acaba sendo um crossmedia, uma coisa vai permeando a outra, assim chega um ponto que uma coisa não existe sem a outra entendeu?
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