Bem-vindo ao Fervo de Floripa
Por: Fagner Ramos
O Festival Fervo Saravá que ocorreu no último dia 24/09 em Florianópolis, teve a missão de apresentar ao público várias caras da nova música nacional. Vertentes do Hype ao consagrado, passando do experimental ao pop, do rock com cara de novos baianos, ao rock com cara de curitibanos, do psicodelismo ao ativismo, tudo isso em cinco nomes bem diversos.
Vale mencionar a qualidade na produção do evento, desde as infras básicas (alimentação, banheiros e segurança) até a qualidade do som, tudo funcionou bem. Um Line Up montado com muita coragem e qualidade, junto com intervenções artísticas e DJ´s, abrilhantaram todo o evento, que se merece uma crítica, foi não fazer o headliner do festival fechar a noite, mesmo que tenha ocorrido um acordo entre produção e a banda.
As bandas Mulamba, Maglore, Metá Metá, Jovem Dionísio e Bike, fizeram shows nesta ordem com vários destaques, independente de qual seja.
Mulamba
Banda curitibana só de mulheres, formada em 2015, com letras fortes e contundentes no ativismo feminino e nas pautas LGBTQIA +, iniciou os shows com um pequeno público que foi aumentando durante a apresentação da banda, tendo uma boa resposta enquanto o festival ia enchendo. Divulgando o mais recente disco, Será Só aos Ares, a banda fez um passeio pelos seus trabalhos com muita qualidade musical de todas as integrantes, inclusive da Baixista Gabi Savian, que conforme falado pela Amanda, uma de suas vocalistas, ensaiou dois dias para estrear no palco e dar sequência aos demais compromissos.
O Mulamba ainda tem em sua formação, a Violoncelista Fer Kompe, que foi prejudicada um pouco pela técnica de som (fato raro no evento), que deixou quase que inaudível o instrumento, e olha que eu estava colado ao palco. Destaque também para as duas vocalistas que cantam muito bem, e a todo momento interagem com o público, hora com carisma, hora com discursos ativistas, pontos que parecem fazer parte do show da banda.
O Mulamba mistura vários estilos, indo do eletrônico à MPB. Mas, para mim, é uma banda de rock. No geral, foi um bom show e uma bela entrada para o que viria a seguir.
Maglore
Esta banda baiana, já com cinco discos lançados, músicas tocadas nas rádios, um compositor consagrado e gravado por artistas como Erasmo Carlos e Gal Costa, cumpriu com minha expectativa, fazendo um belo show.
A banda está divulgando o novo disco intitulado V (cinco), que pelo nome dispensa maiores explicações, e começou o show com a primeira do álbum, A Vida é uma Aventura, que na introdução me lembra a banda Black Rio. Do mesmo trabalho, foram Espírito Selvagem, a melhor do disco na minha opinião Eles, Transicional, entre outras.
Internamente para nosso público, a recepção está muito boa. Há um mês que lançamos e já conseguimos mover algumas músicas para o repertório do show, inicio, meio. Pra mim tem sido uma surpresa massa ver o público cantando
Teago Oliveira.
Em uma breve conversa nos bastidores com Teago Oliveira, o principal compositor da banda, falei que esse disco tinha muitas influências que iam de Lulu Santos a George Harrison, passando pela black music brasileira dos anos 70. O artista concordou em termos.
Essas coisas estão no nosso radar, rock clássico, música brasileira. Está bem anos 70 com música atual.
Teago Oliveira.
Com o tempo curto de apresentação em festival, a banda foi enfileirando com muita competência um apanhado de canções de toda a carreira, sem tempo para muitas firulas e interações. Salvo quando era para agradecimentos ou entoar jingle de campanha de um dos candidatos à Presidência da República, prontamente aceito e lembrando uma micareta.
Fiquei esperando uma música que foi hit em São Paulo, Me Deixa Legal, que eles tiraram do set, mas tocando o grande sucesso Mantra. Sem sombra de dúvida, um dos melhores shows da noite.
Metá Metá
Uma força da natureza. É com esta sensação que fiquei após o show dos paulistanos Metá Metá.
Sabe quando você vê um filme, uma peça de teatro, ou algo que te toca e você fica se questionando inconformado e atordoado? Como nunca vi um show deles? Por que nunca parei para dar atenção? O que foi isso? Foi exatamente assim que saí depois de ver o show.
Confesso que achei que não funcionaria para esse festival, uma banda com uma formação incomum, (violão, saxofone e voz). Subestimei o público, subestimei a banda, subestimei o evento. E como foi bom isso acontecer!
A banda com mais de 15 anos de estrada, conta com músicos consagrados, um som peculiar, letras desafiadoras e performances arrasadoras.
Kiko Dinucci no violão e back´s; Thiago França tocando saxofone com uma maestria, que faz do instrumento a veia condutora da banda; um sax fazendo um papel da guitarra, e a mestre de cerimônia, fazendo um quê de guerreira negra com sua mais poderosa arma, voz e liderança, Juçara Marçal.
Juçara que por sinal foi indicada ao Grammy latino com seu último disco solo Delta Estácio Blues.
Num palco à meia luz, os três comandaram o povo, hipnotizando com as melodias, fazendo as vezes até as pessoas pularem como se fosse num show de hardcore, entoando cânticos africanos, deixando vários que ali estavam em transe. Não tinha como ficar indiferente ao show.
Um setlist com quase 15 músicas, em pouco mais de 1 hora de show, com direito a bis, o que parecia não estar programado pela banda e pela produção. Não há como não dizer que esse foi o melhor show da noite, e que ficaria difícil para qualquer artista que se apresentasse na sequência, tamanha qualidade e imposição de palco.
Sem dúvidas, o melhor show do festival.
Jovem Dionísio
Da novíssima safra de artistas e dentro do panorama viralizador da internet, a banda Curitibana formada em 2019 chega com status de Headliners, mesmo não fechando o festival.
Uma semana antes, estavam em um dos palcos do Rock In Rio, fazendo um dos shows mais disputados daquele dia e carregando o super hit viral Acorda Pedrinho, virando um trunfo pro show que viria na sequência. Mas, o entretenimento nem sempre anda de mãos dadas com a arte.
Visivelmente cansados da louca agenda que a banda vem fazendo, foram anunciados aos gritos e começaram com o som dos sintetizadores tocando a música Risco, cantado a plenos pulmões por quase todos os presentes.
Dali em diante engataram marcha e seguiram em linha reta, cômoda e sem curvas, fazendo o que se esperavam deles. Até que em um determinado momento, e talvez pela minha surpresa, mas não pela dos presentes, o show virou Standup. Como assim?
A banda protagonizou um concurso de dança entre os integrantes, para delírio do público. Porém, pra mim, confesso, foi brochante. Passando da meia noite, depois de uma sequência crescente de bons shows, foi difícil achar graça naquilo, até porque, eu não estava preparado para isso. Foram quase 10 minutos.
Até que Bernardo, o vocalista, anuncia que estavam muito tristes por ter um tempo reduzido em festivais, justificando o show preguiçoso e que infelizmente (será?) seria a última da noite. Confesso que compartilhei da mesma sensação que o público, por motivos diferentes claro.
Deixaram a melhor para aquele momento, segundo eles, e de novo, para o público também. Tocaram o hit Acorda Pedrinho. Mais uma que fez a maioria ali delirar, pular, gritar, chorar e ir embora depois, mesmo tendo mais uma banda para se apresentar.
Bike
A banda certa, na hora errada. De São José dos Campos, do Vale do Paraíba Paulista, vindo da safra do neo psicodelismo brasileiro, com ótimos discos, benção de Danger Mouse, turnês internacionais, porém pouco conhecido e reconhecido em sua terra natal, o Bike deu azar de fechar a noite após o hypado Jovem Dionísio. Sem dúvida, 90% do público foi embora, e acho que isso contagiou a apresentação da banda.
Talvez a banda mais Do It Yourself das presentes, pois entraram no palco antes de ser apresentado para montar seus equipamentos, e serem anunciados posteriormente, a banda começou o show com a sensação de que já que estavam ali, o psicodelismo cederia espaço para o lado mais Sonic Youth dos caras.
Músicas do Quarto Templo fizeram parte do set, último álbum lançado pela banda, mas terminando quase todas com microfonias, dando a entender que seria só o começo do noise que a banda viria a fazer.
Me fez lembrar e reviver várias bandas dos anos 90, mas que seria diferente se a banda tivesse tocado antes. O psicodelismo Pink floydiano da década de 60 apareceria mais.
Ótimos músicos, ótima banda, ótimas canções e um bom show. Visceral, barulhento e, literalmente naquele dia, para poucos.
A performance das bandas não depende da produção do festival, que fez sua parte com maestria. Porém, no geral, senti falta de apenas uma coisa do Fervo Saravá. O espaço para as bandas venderem seus produtos. Compraria fácil produtos de todos ali.
Vida longa ao Fervo e Saravá.