Cobra Kai: Inovador e ao mesmo tempo fiel ao original
No dia 2 de maio de 2018 estreou no Youtube Originals o primeiro episódio da série Cobra Kai, uma sequência dos eventos da saga Karate Kid, dos anos 80. As primeiras temporadas foram um sucesso, conseguindo conquistar os fãs dos filmes e também trazer novos espectadores para a saga. O sucesso foi tão grande que a série chegou, no mês passado, a sua quinta temporada, e agora se aproxima de um desfecho final.
Produzir uma sequência de algo já consagrado e amado pelo público não é uma tarefa fácil. A nova trilogia da saga Star Wars é um exemplo do quão difícil é essa missão, tendo em vista que os novos filmes não agradaram a maioria de seus fãs. Além de Star Wars, vários projetos que dão sequência a uma história de anos atrás surgiram recentemente, como os filmes de Jurassic World e o reboot de Power Rangers. Porém, é muito comum que muitos desses projetos não agradem ao público, pois fogem muito da premissa da história original.
Quando se soube que uma sequência dos filmes Karatê Kid estava para chegar, muitos fãs ficaram com um certo receio, por conta desse histórico negativo que essas sequências de franquias, sagas, filmes e séries aclamadas deixaram na mente das pessoas. Mas, Cobra Kai é o perfeito exemplo de que é possível trazer uma história nova e, ao mesmo tempo, se manter fiel ao produto original.
A saga Karate Kid
Antes de mais nada, é importante falar da saga que deu origem à série. O primeiro filme se passa em 1984, com Daniel Larusso, interpretado por Ralph Macchio, como o protagonista. Ele se envolve em uma confusão com Johnny Lawrence, interpretado por William Zabka, e os dois resolvem sua rixa em um torneio de karatê. Daniel é treinado pelo Senhor Miyagi, enquanto que Johnny é treinado pelo sensei John Kreese, do dojo Cobra Kai.
No final das contas, Daniel ganha o torneio de karatê em cima de seu “arqui inimigo” Johnny. O filme então termina em um tom de que todos foram felizes para sempre, mas é isso que a série Cobra Kai contraria. Após os eventos do primeiro filme, o segundo e o terceiro filme narram histórias que Daniel Larusso e Nariyoshi Miyagi vivem juntos, e, claro, com muito karatê envolvido.
O começo de Cobra Kai
A série se inicia com a luta final do torneio de karatê do primeiro filme, fazendo um paralelo com a situação atual de Johnny Lawrence. O que se dá a entender é que, após a derrota para Daniel Larusso no torneio, Johnny ficou muito abalado e seguiu sua vida com muitas dificuldades. Ao cortar para uma cena dos dias atuais, é possível perceber que Johnny não se encontra em uma boa situação, já que vive em uma casa não muito boa e é alcoólatra.
A proposta da série é diferente do esperado, pois traz o holofote à Johnny Lawrence, que não é o protagonista da saga Karatê Kid. Mas, é isso que a torna interessante. Até antes da série ser lançada, alguns fãs já enxergavam o protagonista, Daniel Larusso, como o errado da história, pois o filme deixou toda a situação muito aberta para interpretação.
Após uma cena mostrando a atual situação de Johnny, a série introduz o personagem Miguel Diaz, que inicia um diálogo com Johnny porque acabou de se mudar para a vizinhança. Johnny não parece ligar muito para o garoto, até porque nesse momento de sua vida, ele já não liga para muita coisa. Mais tarde no primeiro episódio, Miguel acaba se envolvendo em uma briga com garotos do dobro de seu tamanho, e Johnny o salva, usando técnicas de karatê, bem parecido com o que o Senhor Miyagi fez com Daniel no primeiro filme.
Miguel então pede para que Johnny ensine para ele essas técnicas, para que ele possa se defender sozinho futuramente, e Johnny nega. Porém, após uma série de eventos, Johnny percebe que esse era o propósito de vida, e opta por treinar Miguel, reabrindo então o dojo Cobra Kai, que dá nome à série.
Como são cinco temporadas com dez episódios cada, seria necessário no mínimo um texto por temporada, para explicar todo o desenrolar da série. Por isso, meu objetivo aqui é contextualizar um pouco do cenário que aqui está sendo falado, e explicar o porquê de Cobra Kai dar certo.
O porquê de Cobra Kai funcionar tão bem
Desde seu princípio, Cobra Kai foge do convencional. Nos primeiros episódios é possível se ter a impressão que o antagonista do primeiro filme, Johnny Lawrence, seria o “cara do bem”, e que o protagonista dos filmes, Daniel Larusso, seria o vilão. Porém, ao decorrer dos episódios, o roteiro acaba te levando a entender os dois lados da história, e você se encontra simpatizando com os dois personagens.
Se você assistir o primeiro filme com outros olhares, perceberá que realmente foi um grande mal-entendido entre os personagens, e que o real vilão era o sensei de Johnny, John Kreese, que fazia a cabeça do garoto. Afinal, na época, eles eram apenas crianças. Enquanto Daniel tinha um bom mentor, Johnny não tinha uma relação saudável com seu pai e encontrou em Kreese uma figura paterna. Kreese, perverso do jeito que é, fez a cabeça do garoto em prol de sua diversão.
Esses detalhes passaram despercebidos por grande parte das pessoas que assistiram Karatê Kid, e os roteiristas de Cobra Kai mostram de maneira muito clara e dinâmica toda essa confusão. No último episódio da terceira temporada, isso fica bem claro. Em uma cena, Daniel e Johnny se encontram por acaso em uma festa, e junto deles está Ali Mills, a garota a qual os dois disputavam a atenção no primeiro filme. Mills, juntamente da esposa de Daniel, consegue fazer com que os dois vejam a verdade dessa rivalidade toda entre os dois caratecas. A personagem fala: “Vocês dois pensam que existe apenas um lado da história, mas há três. O seu lado (do Johnny), o seu (do Daniel) e a verdade. No fim da conversa, os dois admitem que ambos têm uma parcela de culpa em tudo isso e se entendem.
Essa cena acontece apenas no último episódio da terceira temporada. Até chegar neste ponto, muitos encontros e desencontros aconteceram, com o foco das atenções dividido entre os personagens adolescentes e os adultos. Todas essas histórias são feitas de maneira muito natural e se conectam muito bem. Há quem não goste, mas o drama adolescente acrescenta bastante à história principal.
Um dos principais pontos da série é sua fidelidade aos filmes. Muitos projetos tentam apelar para a nostalgia para conquistar seu público, mas esquecem de realmente colocar algo por trás daquilo. Os personagens já adorados pelos fãs são realmente fiéis aos que já conhecíamos, e os novos são muito bem feitos e conquistam o carinho do público muito facilmente. Diversas vezes os espectadores se encontram em situações em que não sabem de qual lado estão. É possível se identificar com quase todos os personagens, já que todos têm seus erros e defeitos.
O real vilão
Acredito que Cobra Kai veio para mostrar que as crianças e adolescentes envolvidas nessa “guerra de karatê” não são as culpadas, e sim os adultos que colocam esses pensamentos nelas por pura diversão. Afinal, quem poderia imaginar que criar uma rivalidade entre crianças que sabem lutar karatê poderia dar errado, né? Cobra Kai mostra isso muito bem, resolvendo ao longo dos episódios as adversidades dos personagens que não deveriam ter nada a ver com isso. Mas, claro, sempre com algumas reviravoltas para chocar os telespectadores da série.
Os verdadeiros vilões então se mostram por serem John Kreese e seu amigo Terry Silver. Ambos não foram introduzidos logo de cara na série. John Kreese era tido como morto até sua primeira aparição no último episódio da primeira temporada. Já Terry Silver, que apareceu pela primeira vez na saga Karatê Kid no terceiro filme, tem algumas citações durante a série, mas é realmente cogitado a retornar na terceira temporada, e finalmente dá as caras no começo da quarta. Os dois torturaram e fizeram da vida de Daniel Larusso um inferno, por pura diversão. Eles voltam anos depois para fazer a cabeça de mais crianças inocentes, enquanto que Johnny Lawrence e Daniel Larusso tentam impedi-los.
A volta de antigos personagens
Esse é outro fator que soma demais à série. Ao invés de selecionar novos atores para interpretarem os antigos personagens, os produtores fazem a brilhante decisão de trazer todos os atores originais, o que interliga e faz com que o espectador sinta que realmente é o mesmo universo que está sendo retratado.
Além dos atores de Johnny Lawrence e Daniel Larusso, também voltaram à saga os atores de Terry Silver, John Kreese, Chozen Toguchi, Mike Barnes, Kumiko, Ali Mills, entre outros personagens já conhecidos da saga. O ator de Nariyoshi Miyagi, Pat Morita, o famoso Senhor Miyagi, infelizmente faleceu em 2005, mas a série frequentemente faz homenagens ao ator e ao personagem, já que ele é peça fundamental para a saga. Além das menções e volta dos personagens antigos, a série com grande frequência se utiliza de flashbacks dos filmes, outra forma de se manter fiel ao produto original.
Conclusão final
Por fim, posso concluir que Cobra Kai se arrisca ao entrar nesse mundo de sequências, mas se desenvolve com maestria. Os novos personagens são carismáticos e conquistam o público. A essência dos personagens já conhecidos é mantida, mas ao decorrer dos eventos da série evoluem e se desenvolvem de maneira natural. Ou seja, Cobra Kai é o perfeito exemplo de que é possível criar um material novo para conquistar uma nova audiência, mas que também se mantém fiel ao trabalho já feito anos atrás, reconquistando os fãs dos filmes originais.
Cobra Kai foi originalmente lançado no YouTube Originals, e posteriormente teve seus direitos comprados pela Netflix. A quinta temporada foi lançada no dia 9 de setembro deste ano e já está disponível na plataforma da Netflix, juntamente com as quatro temporadas anteriores.