Desafios da primeira amamentação
Mães de primeira viagem relatam as dificuldades e a importância da amamentação
Por: Beatriz da Silva de Sa Dias
A maternidade real pode ser bem mais desafiadora do que parece. E amamentar talvez seja uma das principais manifestações da persistência, da paciência e da doação que o processo de cuidar de outro ser humano exige.
A rotina de uma mãe de primeira viagem nem sempre é fácil e quando se dá dentro de uma Unidade de Cuidados Intermediários Neonatal (UCI-Neo), pode se tornar ainda mais dolorosa. Assim foi a situação do casal, Ana Francisca, de 25 anos, e Felipe Martins, de 27, moradores do bairro Paranaguamirim, região sul de Joinville.
Grávida de 30 semanas e diagnosticada com pré-eclâmpsia e diabetes gestacional, Ana Francisca foi encaminhada para a Maternidade Darcy Vargas, para garantir o atendimento necessário durante o parto. Além do nascimento prematuro realizado no dia 05 de fevereiro de 2023, o casal ainda precisou lidar com a tristeza de ver sua primeira filha, Anna Luiza, tão frágil em uma situação complexa, com sondas e acessos venosos em um corpo pequeno, durante os 27 dias em que esteve internada na UCI neonatal.
Esta unidade de internação é destinada a pacientes potencialmente críticos, que requerem atenção de enfermagem contínua, com recursos humanos especializados, materiais específicos e outras tecnologias destinadas ao diagnóstico e terapia.
Apesar de jovem, Ana Francisca teve uma gestação turbulenta e precisou ser assistida por diversos profissionais durante toda a gestação. Outro problema que atingiu Ana, foi a deficiência nutricional. Foi necessário adicionar suplementação de cálcio e ferro para levar a gestação até o máximo possível.
“Quando minha filha saiu da dieta zero e recebeu leite humano doado, percebi que aquele alimento foi fundamental para ela combater a infecção, terminar os antibióticos e crescer de forma saudável. O poder que o leite materno tem realmente protege o bebê de muitas coisas e faz com que ele se desenvolva”, ressalta a mãe.
Assistida pela equipe de Banco de Leite da Maternidade Darcy Vargas (MDV), Ana garante que o processo de amamentação exclusiva da nova integrante da família foi fundamental para que Anna Luiza se desenvolvesse mais rápido e com melhor qualidade de vida. Ela conta ainda que não sabia o quão importante era esse processo de amamentação e de como o leite materno era essencial para que o bebê crescesse de forma saudável.
“Era uma vontade minha mesmo, eu amamentando minha própria filha de forma natural, sem precisar do banco de leite (…) Acho que a partir do momento que eu conseguir amamentar, a primeira mamada dela, eu já fiquei satisfeita.”
Os desafios da amamentação são inúmeros, ainda mais para as mães de primeira viagem que carregam uma bagagem emocional a mais para lidar com a nova rotina. “A minha gestação foi difícil, tive muitos problemas e também pouca informação de como seria depois que o bebê nascesse, essas tarefas eu tive que aprender de formas mais cuidadosas, mas que me ajudaram muito, e fica de aprendizado caso eu tenha um segundo filho,” conclui Ana.
“A relevância do aleitamento é inegável, principalmente porque, até os seis primeiros meses de vida, o leite materno é o único alimento que supre as necessidades do bebê”, explica a pediatra Maria Beatriz do Nascimento, responsável pelo Banco de Leite, da MDV.
O setor em Joinville é referência estadual para o Ministério da Saúde e Fundação Fio Cruz. “A prioridade da amamentação com o leite doado é sempre para bebês prematuros e internados na UTI Neo Natal”, conta a médica Beatriz.
A tal da pega correta
Quando Rael, 1 ano, nasceu, a auxiliar administrativa Rafaela Bentivoglio, 30 anos, não tinha nenhum grande preparo para amamentar. Ela passou por uma gestação de risco e, nos últimos três meses, quando contava que estaria se organizando melhor para a chegada do filho, com cursos e palestras, teve que ficar de repouso. Ainda na maternidade, ela percebeu que amamentar não seria assim tão simples.
“Nos sentíamos pressionados pela equipe do hospital. Eles falavam que se o bebê não mamasse de três em três horas precisaria ir para a UTI. Então ficávamos na pilha de acordá-lo”, lembra.
Com a dor do corte da cesárea, Rafaela não conseguia se sentar direito, o que atrapalhou tanto o posicionamento do bebê quanto a pega. Para piorar, as informações vindas dos enfermeiros eram confusas. Um falava que a pega estava certa – mesmo com a recém-mãe sentindo dor. Outro que era melhor usar um bico artificial para ajudar. A falta de informações vindas dos próprios profissionais deixavam Rafaela ainda mais preocupada em relação à amamentação.
“Eu não sabia que tinha uma ‘pega’ correta da bebê. A falta de informação trouxe feridas no meu seio”, desabafa a lactante, que passou a extrair o leite para oferecer ao filho por conta das fortes dores. Rafaela saiu do hospital amamentando, mas, ao longo do tempo, o seio foi ficando machucado, porque a pega não estava correta.
“Lembro que eu chorava para amamentar. Foi formando uma casquinha de sangue no seio, foi muito ruim”. Ela recorreu a uma consultora de amamentação, que fez toda a diferença no processo. A consultora ajudou Rael a fazer a pega correta, e ensinou a passar o próprio leite em todo o mamilo para ajudar. Daí para frente tudo aconteceu com tranquilidade e a amamentação passou a ser boa – para a mãe e para o bebê.
Aline Ferraz, 33 anos, também compartilha experiências traumáticas em relação à amamentação. Quando sua filha Alice nasceu, ela não tinha informações sobre esse momento da maternidade. “A criação não vem com manual de instruções, principalmente de amamentação. E, na primeira noite depois do parto, eu tive uma madrugada do terror”, lembra.
Após quase 24 horas sem conseguir amamentar sua filha, Aline esperava que “um anjo entrasse no quarto” para ajudá-la. Então, na troca de turnos, ela pediu ajuda a uma enfermeira que, atenciosamente, ensinou a forma certa de amamentar. “Ela veio, colocou a Alice no meu colo, apoiou a cabecinha dela e direcionou a boca no meu peito. Conseguimos vir para casa com ela mamando”, conta.
A dor, apesar de ser comum, não é normal, por isso é importante buscar acompanhamento médico e psicológico ao enfrentar dificuldades. “Amamentar não tem que doer, se está doendo ou desconfortável, é porque provavelmente tem alguma coisa errada. A posição ou pega inadequada ou até mesmo a presença de algum fator externo”, aponta Fernanda Gaspar, enfermeira especialista em aleitamento materno.
A imagem lista sete pontos importantes que podem ser observados para garantir que o bebê tenha uma amamentação eficaz. Caso a pega seja ineficaz, a mão pode ser predisposta a diversas intercorrências mamárias, desconforto, além de diminuir a produção láctea e isso ter reflexo no desenvolvimento pondero-estatural do bebê.
O excesso de leite
Em sua primeira gestação, no nascimento de Afonso, 3 anos, a professora Cecilia Bianchi, 39 anos, não teve uma experiência exatamente fácil com a amamentação. Ela sempre teve muito leite. Muito, muito leite. Parece o desejo de toda mãe, certo? Mas isso gerou um desconforto tremendo.
Os seios estavam sempre vazando e doloridos por conta do peso, sem falar que precisavam ser massageados constantemente para não empedrar. Cecília não tinha nem a prática nem a informação para isso. Viu os bicos ficarem bem machucados e os episódios de mastite foram constantes. Nada para recordar com muita alegria.
“Depois dessa primeira experiência, passei a recomendar a todas as minhas amigas grávidas, que se informassem o quanto antes sobre amamentação e também sobre a importância do leite materno nos primeiros meses. E, quando engravidei do meu segundo filho, Adolfo, 1 ano, senti como se estivesse me tornando uma expert em perrengues sobre amamentação”, relembra Cecília.
A importância do Aleitamento materno
Em um cenário atual de insegurança alimentar, a amamentação é uma garantia de alimentação segura e adequada para milhares de crianças no Brasil e no mundo. O aleitamento materno é uma fonte de alimento segura, apropriada, barata, eficaz e econômica de alimentação. A amamentação está vinculada à boa nutrição, à segurança alimentar e à redução de desigualdades.
Para a nutricionista Lais Sampaio, 26 anos, o aleitamento materno é uma prática fundamental para o desenvolvimento da criança. Ele envolve muito mais do que apenas o ato de nutrir, envolve uma grande interação entre mãe e filho com repercussões importantes sobre o desenvolvimento cognitivo, estado nutricional e emocional da criança.
A nutricionista explica que o aleitamento materno deve começar a ser tratado ainda na gravidez. “Nessa fase, nos preocupamos muito com o parto e esquecemos que logo em seguida vem a amamentação. É muito comum uma mulher que está amamentando dizer que não sabia que era tão difícil”, comenta.
Conforme explica Lais, amamentar não deve ser dolorido. “Isso não pode acontecer”, aponta a nutricionista, ao lembrar que a dor é um dos principais motivos que levam à desistência do aleitamento materno. “A qualquer sinal de dor ou desconforto ao amamentar, busque ajuda de um profissional de saúde, aquele que acredita na amamentação e que sabe manejar o aleitamento materno”, diz a nutricionista.
“Cada vez mais aparecem estudos mostrando os benefícios do leite materno com a amamentação prolongada e seu impacto ao longo da vida. Quanto mais a criança mama, mais benefícios ela terá em sua saúde a curto, médio e longo prazo”, destaca.
O aleitamento materno exclusivo durante os primeiros seis meses ajuda a prevenir a fome, a desnutrição e a obesidade ao garantir todos os nutrientes e calorias necessárias para o crescimento e desenvolvimento do bebê. No Brasil, além da exclusividade no primeiro semestre de vida, o Ministério da Saúde recomenda a amamentação até os dois anos de idade ou mais, pois ela é responsável por passar os nutrientes e anticorpos para a criança, protegendo contra infecções enquanto o sistema imunológico se desenvolve.