A realidade sobre o ensino de pessoas com deficiência em escolas de Joinville
Por: Cauê Claro
Segundo dados do IBGE, de 2010, cerca de 20% da população Joinvilense apresenta algum tipo de deficiência, seja ela física ou mental. E Estes geram a necessidade de diversos meios e espaços de adaptação, como rampas e relevos. Porém, um ambiente que ainda carece de cuidados com a inclusão de Pessoas com Deficiência (PCD’s) é o ambiente escolar.
Segundo a Lei nº 3146, artigo 9 da Constituição Federal, todo aluno PCD, mediante a apresentação de diagnóstico, tem o direito de ter o auxílio individual de um professor capacitado para cooperar com seu aprendizado. Entretanto, a realidade dentro dos colégios públicos de Joinville é diferente.
Apesar dos governantes glorificarem a rede de ensino pública por resultados em testes nacionais, quem está dentro do cotidiano escolar revela preconceito e falta de materiais e profissionais capacitados. Ou seja, um descaso de forma geral por parte dos responsáveis pela educação municipal em relação aos alunos com necessidades especiais.
Visão de uma professora
Vilma Dagnoni, 56 anos, professora da rede municipal de ensino há 21 anos, relata que em média há entre um e dois alunos com deficiência por sala. Estes alunos necessitam de atividades adaptadas que facilitem seu aprendizado e de um profissional capacitado para auxiliá-lo diretamente. Porém, na maioria dos casos, não há auxiliares suficientes para a quantidade de alunos, e mesmo quando a quantidade é suficiente, estes profissionais não são capacitados para desenvolver atividades adaptadas. Dessa forma, essas questões acabam sobrecarregando os professores “gerais” da turma e deixando estes alunos com atividades comuns da turma, o que dificulta seu aprendizado.
A falta de capacitação dos professores auxiliares, segundo Vilma, também impede uma adaptação correta no tratamento de cada deficiência. Um aluno com Transtorno Desafiador Opositor, por exemplo, pode apresentar comportamentos agressivos, enquanto outro, com Espectro Autista e problemas relacionados à barulhos.
Essas diferenças de tratamento exigem conhecimento pedagógico específico para lidar com as dificuldades cotidianas e, principalmente, para lidar com crises. Conhecimento esse que não é oferecido aos profissionais do município. Por último, a professora diz que mesmo nos casos onde consegue-se tempo para tentar desenvolver atividades adaptadas para alunos com necessidades especiais, a Secretaria Municipal de Educação não fornece os materiais necessários.
Relatos de uma mãe
Débora Formigon, 40 anos, é mãe de uma menina com déficit intelectual e Transtorno Desafiador Opositor. Cailane, de 17 anos, se formou no ensino fundamental pela Escola Municipal Pastor Hans Muller há dois anos e atualmente não está matriculada no ensino médio, justamente devido às dificuldades enfrentadas por ela durante todo seu ensino na rede pública.
Cailane sentiu na pele todos os problemas relatados anteriormente pela professora Vilma. Seu déficit atrasa o desenvolvimento do seu sistema intelectual e cognitivo, o que acaba gerando a necessidade de um acompanhamento próximo e individualizado diariamente.
Débora relata que no colégio até havia professoras auxiliares, porém, apesar da boa vontade e do esforço, não eram capacitadas. Além disso, elas raramente conseguiam voltar suas atenções para Cailane, pois ajudavam mais alunos com casos que necessitavam ainda mais de auxílio. Apesar da falta de capacitação, nos momentos em que havia uma professora auxiliar, Cailane conseguiu se desenvolver melhor, mas isso acontecia raramente devido ao excesso de demanda.
A mãe também conta que devido ao fato de não haver um ensino adaptado, tentava em casa realizar esse ensino. Por outro lado, devido à rotina de trabalho e à falta de deveres de casa adaptados, o ato de estudar se tornava cansativo e gerava crises em sua filha. Isso levou Cailane a associar o estudo com sofrimento, impedindo, assim, seu desenvolvimento.
A mãe também fez um apelo à Secretaria Municipal de Educação: “peço que voltem o olhar para as crianças com necessidades especiais, elas têm condições de aprender muita coisa. Porém, só irão conseguir se o município e o Estado capacitarem profissionais para que a inclusão realmente seja feita, pois hoje o que existe é uma inclusão de fachada, onde o aluno especial sofre muito e se sente ainda mais incapaz naquele ambiente.”
Além da falta de capacitação técnica para atender alunos com necessidades especiais, outro motivo que levou Débora a não matricular sua filha no ensino médio é um tema pouco abordado e muito menos solucionado dentro das escolas públicas: o preconceito e a exclusão social.
O preconceito
Débora revelou que a reclamação mais frequente e que mais lhe doía ouvir era por parte da exclusão que sua filha sofria dentro do ambiente escolar. Não havia violência física, porém Cailane dizia que se sentia um “fantasma” dentro do colégio, pois em eventos de integração, trabalhos em grupo e momentos como rodas de conversa em intervalos, ela não era incluída.
Apesar das reclamações e esforços da mãe, a escola mesmo tendo ciência sobre essa exclusão, não tomou nenhuma atitude. Atitudes simples como conversas com os alunos e palestras poderiam ao menos amenizar o problema, porém nunca foram feitas. Cailane sempre gostou de ir à escola, entretanto, o sentimento de não fazer parte do ambiente e sempre estar “sobrando”, gerou um desgosto que tornou o fato de ir para escola um sofrimento diário.
O sentimento de incapacidade devido à falta de ensino adaptado já era suficiente para ela se sentir incapaz. Ao juntar isso com a falta de acolhimento e amizades no ambiente escolar, a sensação de que não era bem-vinda aumentou ainda mais.
Consequências da falta de ensino
Sem um ensino adequado, qualquer pessoa enfrenta dificuldades para ser independente e se inserir no mercado de trabalho. Para pessoas com deficiência, essas consequências podem ser ainda piores. PCD ‘s em geral, normalmente, já encontram uma maior dificuldade para arranjar empregos e viverem uma vida independente, e a falta de ensino de qualidade aumenta ainda mais essa dificuldade.
Débora relata que seu maior desejo é ver sua filha se tornar independente. Só que a escola não a preparou com ensinos básicos para essa vida, obrigando a mãe a recorrer a diversos outros profissionais especializados, apesar da dificuldade para manter esses tratamentos.
A mãe se diz contente em conseguir conceder isso à filha, mas essa não é uma realidade para muitas pessoas. Por isso, alerta que o Governo precisa dar assistência a outras pessoas com necessidades especiais em famílias sem condições financeiras de manter tratamentos particulares. Com isso, muitas famílias se encontram em situação de dificuldade para manter pessoas com deficiência, além de privar os PCD’s da oportunidade de viverem uma vida independente, realizarem sonhos e adquirirem experiências.
Exemplo de um ensino adaptado
Após a decisão de não matricular sua filha no ensino médio, Débora se viu em um impasse sobre o que fazer para continuar o desenvolvimento de sua filha. Nesse momento, ela descobriu um instituto especializado no ensino de pessoas com deficiência intelectual, a Associação Para Integração Social de Crianças a Adultos Especiais (APISCAE).
A APISCAE atua no ensino de cursos técnicos de capacitação para o mercado de trabalho, porém seus métodos de ensino podem ser utilizados como exemplo no ensino básico de pessoas com deficiência. Segundo o psicólogo do instituto, Rafael Rodrigo de Morais, os principais cuidados para ensinar essas pessoas são o estímulo da organização, a adoção de pequenas metas e, principalmente, paciência e carinho.
Rafael também fala sobre o preconceito em ambientes de ensino, “é necessário tratar a pessoa com deficiência com respeito, muitas vezes elas percebem no olhar do outro o preconceito, muitas vezes fazendo com que ela não frequente os espaços de convívio social. Se ela for tratada com respeito, assim como todos merecem, sentindo o sentimento de pertencimento, ela irá sentir vontade de frequentar esses espaços, isso já seria incrível”, diz o psicólogo.
Débora conta que o desenvolvimento de sua filha após começar a frequentar o instituto aumentou exponencialmente, em menos de dois anos de ensinamento, Cailane já completou um curso inicial de atendimento ao cliente e está próxima de iniciar suas tentativas de conseguir seu primeiro emprego.Dentro do instituto, Cailane se encontra muito mais feliz e voltou a ter prazer em frequentar o ambiente de ensino, além de se sentir capaz e parte de um grupo social.
Da maneira correta, todos conseguem
Após os relatos colhidos nessa reportagem, é evidente que o sistema educacional de Joinville falha em conceder o direito básico do aprendizado quando se trata de pessoas com deficiência, e isso acarreta diversas dificuldades nas vidas deles e de suas famílias. Porém, com maiores investimentos em capacitação de profissionais e materiais adaptados, todos os alunos, dentro de suas particularidades, têm plena capacidade de se tornarem jovens independentes e capazes de viverem suas vidas de forma independente.