A popularização do cigarro eletrônico e suas consequências
Por Cauê Claro
O tabaco é uma planta já conhecida desde as primeiras tribos nativas que habitavam a américa. Essas tribos acreditavam que a fumaça produzida ao queimar essa planta continha poderes místicos e medicinais. Porém, com a chegada dos europeus à América, o uso do tabaco foi difundido pelos demais continentes, inicialmente apenas para fins medicinais.
No século XVIII, houve o início da revolução industrial, o que gerou uma mudança drástica na rotina de vida da população comum, dessa forma o uso de tabaco tomou outras finalidades, com fins de amenizar stress e ansiedade, além de uma forma de recreação rápida e que com o avanço das indústrias tabagistas, se tornou cada vez mais barata.
Segundo o jornalista Mário César Carvalho, autor do livro “O cigarro” e estudioso do assunto há mais de uma década, o capitalismo industrial tornou o cigarro e o café itens praticamente obrigatórios para sobreviver à rotina industrial.
Além disso, o capitalismo também influenciou na popularização do tabagismo, por meio da exploração de propagandas em filmes nos tempos áureos de Hollywood. Dentro do cinema, o cigarro era associado à sensualidade e elegância para mulheres, e a virilidade e poder para o público masculino. Isso gerou na sociedade uma associação do cigarro com ser “chique”.
A modernização do vício:
Com a descoberta e disseminação de informações sobre os impactos negativos do uso de cigarros, seu consumo diminuiu com o passar do tempo. Em 2019, a sétima edição do relatório da Organização Mundial da Saúde sobre a Epidemia Mundial do Tabaco destacou Brasil e Turquia como os únicos países a alcançarem sucesso nas ações que implementaram para combater o tabagismo. Iniciativas como a restrição de propagandas, alertas nas próprias embalagens, entre outras, resultaram em uma queda no número de fumantes em cerca de 40%.
Na comparação com o ano de 2006, o total de fumantes do país passou de 15,7% para 9,3% da população em 2019, segundo dados do Ministério da Saúde. Todavia, esses dados positivos abordam apenas o uso de tabaco em cigarros tradicionais. Olhando de forma ampla, o uso de cigarros diminuiu, porém o tabagismo ainda se mantém presente por meio de cigarros eletrônicos.
Os cigarros eletrônicos, também conhecidos como “Vapes” ou “Pods” são dispositivos com design sofisticado, odor agradável e até mesmo sabor que simula frutas, o que gera a falsa sensação de que são menos prejudiciais à saúde do que cigarros convencionais. Seu funcionamento se dá a partir do aquecimento de um líquido, que produz um vapor, que é inalado pelos usuários. Este líquido além da nicotina, apresenta outras substâncias como acroleína, propilenoglicol, glicerina e aromatizantes.
No Brasil estes dispositivos têm sua comercialização, importação e propaganda proibidas pela Anvisa desde 2009. Posteriormente, o tema foi incluído para discussão na Agenda Regulatória 2021-2023, no intuito de avaliar os efeitos da medida e propor, caso necessário, outras mudanças.
Em julho de 2022, a diretoria do órgão aprovou um relatório técnico produzido a partir dessas discussões em que manteve a decisão anterior de proibição, sugerindo novas ações para coibição do comércio irregular desses produtos, tais como o aumento das ações de fiscalização e a realização de campanhas educativas. Entre os argumentos que embasaram a decisão, a Agência afirma que a redução da emissão de substâncias por parte dos cigarros eletrônicos não significa redução de risco ou de dano à saúde. Apesar das proibições, seu uso no Brasil se torna cada vez mais popular.
A popularização com o público jovem:
O design e sabores dos cigarros eletrônicos geraram uma popularização do produto entre o público jovem. Segundo pesquisa realizada pela Universidade Estadual Paulista (UNESP), 19,7% das pessoas entre 18 e 24 anos já experimentaram cigarros eletrônicos, na faixa de 35 a 49 anos a taxa cai para 3,3%.
As pesquisas abordam apenas pessoas a partir de 18 anos, porém observa-se em festas e até mesmo em espaços públicos, adolescentes que já utilizam o produto frequentemente. Luciana Matos, estudante de 17 anos, conta que seu primeiro contato com cigarros eletrônicos ocorreu quando ainda tinha 15 anos, em um encontro de amigos.
Inicialmente a jovem não sabia que o produto continha nicotina, e quando descobriu, já estava viciada. Ela ainda relata que já tentou parar com o uso, porém devido à abstinência e constante exposição, ainda não conseguiu se livrar. Por último, a adolescente relata que praticamente todo seu ciclo de amizades também são usuários, e a maioria também iniciou com a mesma idade, ou até antes.
Consequência a curto prazo:
A popularização dos cigarros eletrônicos ainda é recente, portanto, se torna difícil mensurar com precisão quais são os efeitos a longo prazo de seu uso. Porém os líquidos, ou “juices”, presentes nos dispositivos são um ponto que já chamam a atenção dos especialistas. Além de muitos deles apresentarem uma elevada concentração de nicotina, como mencionado no relatório da Anvisa, o líquido contém uma série de substâncias tóxicas cujo efeito sobre o organismo ainda está sendo objeto de estudo por parte dos pesquisadores.
Em 2019, por exemplo, os Estados Unidos registraram dezenas de mortes e milhares de hospitalizações entre pessoas jovens decorrentes de uma doença batizada de EVALI (sigla em inglês para lesão pulmonar relacionada ao uso de cigarro eletrônico), que foi posteriormente associada a substâncias presentes nos líquidos dos vapes. Outra preocupação em relação aos juices, é a presença de açúcar para gerar o sabor adocicado, o que pode gerar problemas para a saúde dentária, como cáries e outras doenças.
Além disso, um artigo artigo publicado na revista científica “Oral Surgery, Oral Medicine, Oral Pathology and Oral Radiology”, que contou com a participação de Janete Dias Almeida, dentista e professora do Instituto de Ciência e Tecnologia da UNESP, apontou que o uso dos dispositivos eletrônicos pode causar danos à células da mucosa bucal semelhantes aos do cigarro convencional.
O estudo analisou células da mucosa bucal de mais de 90 participantes entre fumantes de cigarro convencional, fumantes de cigarro eletrônico, ex-fumantes e não fumantes. Os exames detectaram alterações significativas nas células dos dois primeiros grupos.
A popularização entre o público jovem motivou a publicação de uma carta em 2022, na revista “Human and Experimental Toxicology”, que chama a atenção para a atuação dos dentistas diante do que os autores chamam de “fumante do futuro”. O documento alerta para a necessidade dos dentistas estarem cientes dessa tendência e, por exemplo, considerar esses dispositivos durante a anamnese (diálogo estabelecido entre profissional de saúde e paciente com o objetivo de ajudá-lo a lembrar de situações e fatos que podem estar relacionados a sua doença), em especial entre pacientes mais jovens.
Longo prazo:
Ainda é difícil calcular os efeitos a longo prazo do uso de cigarros eletrônicos com precisão. Porém, segundo o Pneumocenter – Centro de estudo e tratamento da tosse (Uberlândia-MG), pelas partículas destes dispositivos serem mais finas do que os cigarros manufaturados, elas podem alcançar estruturas mais profundas dos pulmões, como os alvéolos, e cair na circulação sistêmica, aumentando assim o risco de doenças cardiovasculares e óbito.
Já o uso do cigarro eletrônico por muitos anos predispõe o paciente a desenvolver enfisema pulmonar, uma doença degenerativa crônica que causa dificuldade respiratória e uma sensação de falta de ar que vai se tornando constante conforme a doença progride. O tratamento mais importante para o enfisema, para o Evali e outras condições associadas ao cigarro eletrônico é parar de fumar, independente do grau de avanço da doença. Na sequência, o pneumologista definirá o melhor tipo de tratamento para cada caso, que pode incluir o uso de broncodilatadores inalatórios (bombinhas), corticoides, terapia com oxigênio, cirurgia de redução dos pulmões ou até mesmo transplante pulmonar.