Sobre Curar o Medo de Ser Feliz
Por: Leonardo Budal
Hoje, certamente, entrará na lista dos dias mais importantes da minha vida. Despreocupadamente cheguei ao trabalho, como todos os dias. Para minha surpresa, uma de minhas amigas chegou ansiosa para me contar quem ela tinha acabado de conhecer. Gabava-se de ter encontrado um rapaz muito interessante que costumava apresentar truques de circo em um dos semáforos nos arredores da faculdade. Dizia ela:
– Eu tenho mesmo que escrever sobre ele! Nunca tive uma conversa tão esclarecedora! No entanto estranhei, passava quase todos os dias naquele sinaleiro perto da farmácia, e nunca tinha visto o tal artista. Admito que a propaganda de minha colega acendeu uma forte chama de curiosidade em mim. Quando ela nos comunicou que estava indo ter outra conversa com ele, logo me ofereci para acompanhá-la. Não podia deixar de imaginar que tipo de qualidade o misterioso artista teria. Talvez seu número fosse algo nunca visto antes, ou será que era um sábio disfarçado entre os tolos. Enquanto descia a rua, de longe pude ver um rapaz, alto, cabelo dreadlock preso atrás da cabeça, barba rala, vestindo camisa e bermuda. Estava se refrescando na sombra da marquise da farmácia enquanto pitava um cigarro de palha. Entusiasmada, minha colega se aproximou do artista começando a conversa de onde tinham parado. Com uma gentileza e eloquência, o jovem disse que podíamos fazer quantas perguntas fossem necessárias. Começou então a nossa conversa De início, deixei que minha companheira tomasse as rédeas, afinal, era ideia dela. Logo nos primeiros minutos da entrevista pude notar o valor dele e rapidamente virei um personagem ativo na conversa. De fala mansa e simples, ele explicou que era artista a quase sete anos, mas que vivia só de arte a pouco tempo. Seu modo de se expressar era cativante, escutávamos cada detalhe com o máximo de atenção, sua habilidade em mostrar tanta eloquência em ações simples me deixou encantado. Dentre todas as características marcantes, o tom de felicidade em sua voz com certeza era o que mais chamava a atenção, era impossível não se contagiar. Passamos por toda sua vida como artista. Ele nos contou os problemas e os prazeres. Até me surpreendi quando ele comentou o quanto aquele trabalho poderia render no final do dia. A conversa fluía com tranquilidade e leveza, afirmo com vigor que foi um dos momentos mais relaxantes da minha vida. Tudo que emanava dele era alegria e paixão, puras como a água, além de uma perceptível sabedoria apesar da tenra idade. Entre todos aqueles bons momentos, um se destoa. Quando o questionei sobre como era praticar arte em Joinville, ele permaneceu em silêncio, tragou o cigarro e disse que era uma situação complicada. Com sagacidade, o artista nos diz o seguinte:
– As pessoas daqui estão presas em uma necessidade crescente de permanecer triste. Seus trabalhos as consomem, e sugam tudo que há de feliz. Elas se isolam em seus veículos e só conseguem pensar em como resolver o próximo problema. Elas estão infelizes, e o pior, o medo de sentirem felicidade as assombra. Constantemente são lembradas de seus erros supostamente imperdoáveis e se culpam por cometê-los. Porém é nesse momento que a arte entra, é um momento de escape, de liberdade. Sem arte não há significado e sem significado não há vida. Fazer arte em Joinville não é apenas um desafio, é o nosso dever. Devemos curar o medo de ser feliz.
Nunca, em toda a minha vida, eu sonhei tomar um sermão, mesmo que indireto de uma pessoa que eu tinha acabado de conhecer. Suas palavras foram como uma pancada. Primeiro, pensei ter me deparado com algum tipo de professor universitário disfarçado de artista, porém ao refletir melhor sobre a situação percebi que tais afirmações não passaram de uma leitura simples de uma realidade que nos negamos a enxergar.
Todos, pelo menos em algum momento de nossas rotinas repetitivas, já questionamos o motivo de viver. Nos negamos a aceitar nós mesmos como seres infelizes, que só vivem à mercê da vontade do outro, e cidades como Joinville estão cheias desse sentimento de vazio, de despropósito, nos falta algo para podermos enfrentar a nossa dura realidade de proletariado.
Estamos perdidos em nosso próprio dia a dia, desesperados por fuga, entretanto somos tragados novamente por uma onda de pessimismo aliado a falta de infraestrutura cultural que nos corrói. E mesmo contra todas as chances, ainda existem pessoas como esse jovem artista que são capazes de nos trazer a libertação, mesmo que seja no breve momento de trânsito parado. Vida longa aos corajosos que enfrentam o poder cegante da monotonia e da morte cultural, que sejam grandes esses defensores desse adoentado joinvilense.