Conipe encerra 4ª edição com debate sobre os direitos dos povos tradicionais
Por Dyeimine Senn Schlindwein
A mesa “o papel da sociedade nas políticas de conservação e nos direitos dos povos tradicionais” contou com a participação Érika Fernandes Pinto e Leonardo Gonçalves Wera Tupã
“Não podemos voltar atrás e mudar o começo, mas podemos começar agora a construir um novo final.” Essa foi a frase que a doutora em Ciências Sociais Érika Fernandes Pinto deixou para reflexão no último dia da 4ª edição do Congresso Integrado de Pesquisa e Extensão (Conipe) da Faculdade Ielusc, nesta quarta-feira, 18. A professora antropóloga Bárbara Elice da Silva, também recebeu como convidado especial o professor guarani e tradutor Leonardo Gonçalves Wera Tupã.
Leonardo Tupã agradeceu o convite e destacou a dificuldade que o povo indígena tem de participar de eventos acadêmicos. “Temos que seguir um critério, protocolos. No entanto, só alguns poucos indígenas estão aptos a cumprir esses protocolos, a maioria vive na sua aldeia, não tem diploma e não são reconhecidos.”
No evento Érika apresentou um trabalho de doutorado com o objetivo de discutir com a comunidade acadêmica sobre “o papel da sociedade nas políticas de conservação e nos direitos dos povos tradicionais”.
Para ela, o conhecimento do tema é fundamental para a criação, gestão e implementação das unidades de conservação (UC). “Embora seja um assunto que tem ganhado atenção crescente nos debates mundiais, ainda é pouco conhecido no Brasil”, destaca.
No entendimento de Fernandes, para ampliar a eficácia das estratégias de proteção ao meio ambiente é fundamental compreender quais são os laços que conectam pessoas, lugares e a natureza. Ela cita o Fórum Brasileiro dos Direitos da Natureza que busca ampliar as políticas públicas como forma de reconhecimento dos múltiplos valores da natureza e das contribuições para o bem-estar e a qualidade de vida humana.
“Os povos indígenas tradicionais são os que mais protegem a natureza, a biodiversidade e tem esses laços de afeto e de pertencimento com seus territórios. Se estamos aqui hoje é graças a eles, as nossas raízes.”
Leonardo Tupã, indígena da Aldeia Yvy Ju/Reta, em São Francisco do Sul, conta que desde criança ouvia histórias contadas pelos seus ancestrais que falavam que o rio ia transbordar, que o calor ia aumentar, que o vento e a chuva iam destruir tudo. “Realmente não sei como, mas eles já previam há muitos anos atrás que isso iria acontecer com o nosso planeta.”
Além da importância da manutenção da riqueza biológica, dos serviços ecossistêmicos e seus benefícios econômicos, Érika ressalta que é preciso reconhecer a história, memória, identidade, saberes e práticas que fazem parte da visão de mundo de diversos grupos sociais. “Nossas políticas ambientais foram construídas a partir dessa visão dicotômica que coloca a sociedade de um lado e a natureza de outro.”
Ela se refere ao antropocentrismo (ego), onde a humanidade se coloca no centro das ações. “Sentimentos de pertencimento, comunhão, tranquilidade, clareza, contemplação da beleza, sensação de paz, de se conectar com a natureza, são aspectos imateriais porque não podem ser medidos, quantificados, precificados.”
Ou seja, quando colocamos a natureza como mercadoria e a sociedade como usuária e exploradora desses recursos, deixamos que o nosso ego se coloque como o centro do universo, postulando que tudo o que existe foi concebido e desenvolvido para servir aos humanos.
“As políticas ambientais tentam conter essa exploração desenfreada, insustentável, colocando regramentos, separando áreas para não uso humano, só que isso coloca todo mundo como potencial infrator, inclusive, os próprios indígenas e as populações tradicionais”, enfatiza Fernandes.
O professor guarani e tradutor Leonardo Gonçalves Wera Tupã, explica que embora os indígenas tenham terras demarcadas para uso, eles não são donos das terras e, inclusive, precisam ter licença ambiental para isso.
“Só temos o direito de usufruir as terras que são demarcadas pela União. Não podemos negociar, nem vender. Muita gente acha que o governo demarca as terras e pronto, temos que seguir todas as regras.”
Além dos povos indígenas e comunidades quilombolas, a doutora em Ciências Sociais também fala da diversidade de populações tradicionais que existem no Brasil. “Grupos sociais miscigenados, como da mistura de indígena com negro, com os povos imigrantes, que desenvolveram modos de vida adaptados a determinados territórios, esses também foram excluídos dos ciclos econômicos principais.”
Entre os segmentos de populações tradicionais estão: retireiros do Araguaia, caatingueiros, vazanteiros, pescadores artesanais, ribeirinhos, seringueiros, catadores de castanha, de mangaba, de apoiadores de flores sempre-vivas, quebradeiras de coco babaçu entre outros. Atualmente, 28 segmentos são representados no Conselho Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais e mais de 70 reivindicações de outros segmentos entraram nesse conselho.
Em Santa Catarina há quilombolas, açorianos, pescadores artesanais, Cafuzos, caboclos, populações provenientes da época da Guerra do Contestado, faxinalenses, pomeranos, além de muitos outros que não são reconhecidos como população tradicional, porque não são comunidades organizadas. Já a população indígena, o estado é composto por três povos distintos: Kaingang, Xokleng e Guarani.
A Constituição Federal de 1988, inclusive, em seu Artigo 216, ampliou o conceito de patrimônio estabelecido pelo Decreto-lei nº 25, de 30 de novembro de 1937, substituindo a nominação Patrimônio Histórico e Artístico, por Patrimônio Cultural Brasileiro. Essa alteração incorporou o conceito de referência cultural e a definição dos bens passíveis de reconhecimento, sobretudo os de caráter imaterial.
No entanto, não basta ter a lei no papel, um exemplo disso é a Fundação Palmares e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), segundo Fernandes, esses órgãos de apoio são os que têm o menor orçamento da União. A Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) também vem enfrentando inúmeros desafios na proteção dos territórios e dos direitos dos indígenas. “Eles têm uma tarefa gigantesca e condições bastante precárias assim como no seu funcionamento”, relata.
Ao final do debate, Érika destaca que, antes de qualquer coisa, devemos sempre questionar quem contou as histórias que conhecemos hoje e ter uma visão crítica sobre isso antes de sair reproduzindo o que nos foi contado. “As universidades têm papel fundamental de mudar isso e reconhecer os direitos desses grupos e sua memória, a verdade sobre o que eles vivenciaram nesse território também.”
Fernandes trabalha na gestão pública do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) há 20 anos, é formada em Ciências Naturais e doutora em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Para saber mais informações sobre trabalhos, pesquisas e inciativas acesse o site, blog e as redes sociais @erikafernandespinto, @snsbrasil.
Com 885 participantes inscritos, os três dias de evento registraram o maior número de participantes em relação às edições anteriores. Estavam presentes a presidente do Conipe, Marilyn Gonçalves Ferreira, o diretor Geral do Grupo Bom Jesus-Ielusc, o professor mestre Silvio Iung e o diretor de ensino superior da Faculdade Ielusc, o professor mestre Paulo Aires.
A aluna da 6ª fase do curso de jornalismo, Stephanie Dunke foi a mestre de cerimônia. Já os acadêmicos de psicologia Heloisa Ceschin e Matheus Costa encantaram o público com apresentação de música.