Raízes da terra: a luta dos trabalhadores rurais de Campo Alegre
Por Larissa Hirt
Do café da manhã ao jantar a agricultura familiar está presente em nosso dia a dia. Da manhã à noite, faça chuva ou faça sol, o produtor rural está na lida, seja plantando, colhendo ou tratando os animais. Há também aqueles que estão no preparo dos alimentos. A rotina pode não ser fácil, mas muitos trabalhadores do campo levam os ensinamentos e as lembranças de infância, de quando começaram a trabalhar com os pais ou avós.
No interior de Campo Alegre, a família Romalho segue os aprendizados rurais. Luana Satyrio da Rocha Romalho e Adriano José Romalho cresceram na região, e continuam no campo, afinal, a propriedade onde moram já está indo para a quinta geração, contando com a filha do casal, Helena Romalho.
Desde pequena Luana teve contato com a pecuária de leite. Ela e os irmãos acompanhavam a mãe durante a ordenha das vacas. E apesar de não ajudar muito nessa parte do processo, ela relembra com carinho dos ensinamentos. “Decerto fica no sangue. Quando eu vim para cá eu já queria comprar uma vaca para ter o leite”, comenta.
Muita coisa mudou desde aquela época. Hoje o casal atua na produção dos derivados de leite, e Luana lembra que a mãe media a temperatura dos produtos no dedo. “Agora a gente tem uma receita para seguir, e medimos usando um termômetro, pois tem que ter um padrão.”
Mas, alguns serviços não mudam. A rotina ainda é puxada, às 6 horas não tem mais ninguém na cama, e logo começam os preparos na leitaria. Por lá, a ordenha ainda é manual, o que exige mais tempo da família. Mas Luana garante que isso também traz mais qualidade para o leite, pois eles não usam produtos químicos para a limpeza, o que seria preciso na otimização. “E também, na mão você vê qualquer inchaço que tenha na vaca. Com a ordenhadeira você só vai ver o problema depois que tiver avançado”, explica.
São feitas duas ordenhas por dia, e durante o tempo livre a família realiza outros trabalhos pela propriedade, como limpar o terreno, ajuntar sapé, cortar a grama, alimentar os animais, além é claro da produção de queijos, natas e manteiga. “O tempo livre é para fazer outro tipo de serviço”, enfatiza. A produtora também comenta que muitas vezes o lazer deles é ir até o mercado fazer compras.
Os Romalho não são os únicos com essa rotina. Ricardo Wohl, produtor rural de erva-mate, apicultor e psicultor também tem que se dividir no dia a dia. Desde criança acompanhava o pai e o avô nos cultivos de erva-mate. A partir de lá, aprendeu como cuidar da planta, e hoje, com 46 anos, ainda cultiva nas propriedades, fazendo a roçada e a poda nas árvores quando necessário, para que elas brotem melhor. Mas, já percebeu muitos avanços no decorrer dos anos. “Naquela época, tudo era um pouco mais difícil na agricultura”, comenta, ressaltando que antigamente não tinham muitas informações sobre a maneira adequada de cuidar da planta.
O produtor também começa o dia cedo, e comenta que vai se dividindo conforme a demanda. “Nos dias mais favoráveis a gente mexe com as abelhas, e na época de colheita da erva-mate nosso foco maior é ali. Mas a psicultura é todo dia. Tem que tratar os peixes todos os dias”, explica.
No tempo da oma
Hoje, Lourdes Dreveck da Maia e José Luci da Maia são aposentados. Mas há 50 anos estavam colhendo erva-mate em Campo Alegre. O pai de Lourdes colhia erva-mate, e para ela, era a maior alegria estar nos matos puxando a planta. Ela lembra que durante o dia, eles iam em família cortar a erva, e à noite, os vizinhos ajudavam a quebrar.
A erva-mate já foi fundamental para a economia campo-alegrense. O autor do livro “Campo Alegre: caminhos que se cruzam”, Robson Richard Duvoisin explica que São Bento, Campo Alegre e até Joinville, só decolaram devido ao poderio da economia que a erva-mate gerava. “A região sul do Brasil, Argentina, Paraguai, até o Chile, então, todo esse cone da América do Sul, ela não consumia no seu dia a dia, como a gente consome hoje em dia, o cafezinho. Naquela época era erva-mate e ponto”, complementa.
Mas a iguaria não foi a única presente na economia campo alegrense. O autor do livro ainda esclarece que muito do que se produzia e se produz na cidade está relacionado com a topografia do local. Que, por mais que seja uma serra, ainda existem lugares mais plainos, onde é possível trabalhar com maquinários maiores. Então são regiões com uma produção de milho, batatinha, soja e fumo, que também fez parte da vida de José.
Ele recorda que nos anos em que se plantava fumo, não havia descanso, “era trabalho o ano inteiro”, enfatiza. O trabalho começava em maio, fazendo os canteiros, depois vinha a planta do fumo na roça, a cultivação, e todos os cuidados com a planta, como capinar, passar cultivador e só depois a colheita. Por último a classificação do fumo, antes do vento frio de geada atingir a planta.
Não muito longe da propriedade de Lourdes e José, outro casal também se manteve na agricultura. Lúcia e Rofino Telma cresceram e se criaram em Campo Alegre. Lá tiveram nove filhos, e mais de 50 anos de casamento. E todos esses anos, a renda da família veio da agricultura. Aliás, ainda vem da agricultura. Mas agora, como diz Rofino, as coisas estão um pouco mais leve do que antigamente. “Antigamente era tudo de caroça”, fala.
Lúcia também recorda que anos atrás era tudo na base da enxada, tudo no “muque”, como ela diz. Mas foi na rotina de acordar cedo e ir para o campo, que o casal criou os filhos. “Eles iam junto e ficavam dentro do cesto.”
De lá para cá os produtores evoluíram com o tempo. Afinal, começaram cedo com os trabalhos rurais. Rofino, agora com 73 anos, parou de estudar na quarta série. “O papai ficou doente, então eu e meu irmão saímos da escola para ir trabalhar na roça”. Eles ainda acordam cedo para cuidar dos animais, seja no sábado, domingo, Páscoa, Natal ou Ano Novo, mas agora eles já possuem tratores e outras ferramentas agrícolas.
Desafios diários
O frio da manhã de inverno na roça, ou sacrificar horas de lazer não são os únicos desafios na vida do agricultor. Adriano Roberto Resch, vice-presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Joinville, comenta que o pequeno produtor é muito punido, principalmente na parte dos defensivos agrícolas, diferentes dos agrotóxicos. “Nós somos vítimas de grandes monopólios que são as grandes indústrias”, complementa.
Além disso, o produtor rural muitas vezes é discriminado, como explicou a sindicalista rural Sueli Baade. “Se o agricultor chega em determinado lugar e ele fala naquela simplicidade dele, ele é alvo de deboche.” E completa dizendo que se o governo não fazer com que o agricultor continue na agricultura, não existirá sindicato e não existirá mais agricultor. “Cada vez mais a gente está vendo uma evasão”, diz “o meu café veio de um agricultor, o meu pão veio de um agricultor. Então as pessoas não vão lá para os agricultores e o governo muito menos”, finaliza.
Outras gerações
Apesar das dificuldades, Lúcia, Rofino, Adriano, Luana e Ricardo se complementam quando dizem que não pretendem deixar da vida o campo, e esperam que as próximas gerações da família tenham essa qualidade de vida.
Já Lourdes e José, depois de anos morando no centro de São Bento do Sul, resolveram em 2020 voltar para a casa onde Lourdes se criou, e eles não têm mais planos de voltar para a cidade.
Link do documentário “Raízes da terra: a luta dos trabalhadores rurais”