Joinville comemora os 200 anos da imigração alemã
Por: Isabelle Buzzi e Larissa Piske
Há 200 anos, após uma viagem de seis meses, a embarcação Argus ancorou com os primeiros 269 imigrantes, no dia 25 de julho de 1824, em São Leopoldo, Rio Grande do Sul, dando início ao processo de colonização germânica. A embarcação foi a primeira de quase 40 que vieram até 1830. Quatro anos depois, em 1828, os primeiros imigrantes chegaram ao estado de Santa Catarina. O objetivo era atrair a população das áreas rurais para criar colônias agrícolas, desenvolver o minifúndio e iniciar a industrialização – um projeto de José Bonifácio, conhecido como Patriarca da Independência. Empobrecidos pelas Guerras Napoleônicas e pela Revolução Industrial, não foi difícil agenciar gente interessada em construir uma nova vida no Brasil.
De acordo com a historiadora e professora Valdete Daufemback, os imigrantes que aqui se instalaram passaram por adversidades no começo, enfrentando dificuldades, principalmente, com a agricultura, por ser uma região diferente das quais estavam acostumados. “Algumas lideranças foram até o Rio de Janeiro conversar com Dom Pedro II e pedir recursos para sobreviverem”, conta a professora.
Além dos problemas enfrentados no início, após a Segunda Guerra Mundial, durante o governo de Getúlio Vargas e sua aliança com os Estados Unidos em combate ao Nazismo e o Facismo, os descendentes de alemães sofreram uma perseguição. Uma das proibições foi o uso da língua alemã, podendo falar somente em português. Segundo a historiadora Priscila Ferreira Perazzo, em Joinville, cerca de 200 pessoas foram presas em um hospital psiquiátrico desativado entre 1942 a 1945. Nessa época, muitas escolas e clubes alemães foram fechados, como foi o caso da “Deutsche Schule zu Joinville”, fundada em 1866, que atualmente se chama DS Hub e pertence à Faculdade Ielusc.
Apesar dos esforços, a cultura alemã permanece na cidade. Luis Alberto Luckow, é joinvilense e descendente de alemão. Seu bisavô migrou da Alemanha em 1867, saindo de Hamburgo em um navio veleiro com sua esposa e filhos. Três meses depois desembarcou em São Francisco do Sul e logo veio para Joinville trabalhar em olaria e construir seu futuro. Para Luis e sua família, a busca por objetivos e o trabalho honesto são os legados deixados pelos seus antepassados que vieram conquistar novas oportunidades.
Em Joinville, a tradição alemã está na religião, nas construções e nos eventos e reuniões dos grupos folclóricos, como o Grupo Windmühle. O que iniciou como uma ideia de jovens das áreas rurais da cidade no dia 28 de maio de 1988, se tornou o grupo mais antigo em atividade, com apresentações em todo o estado de Santa Catarina. De acordo com Daniela Krüger Holz, coordenadora de Marketing, o nome escolhido foi uma homenagem à cidade. “O nome (Windmühle) significa em alemão ‘moinho de vento’, em referência ao pórtico, que identifica a cidade, e também à Sociedade Lírica, casa do grupo há mais de 30 anos”, conta Daniela.
O grupo, dividido nas categorias master, adulto e infantil, reúne mais de 66 integrantes entre descendentes de imigrantes e de outras origens, mas, sobretudo, pessoas que amam a dança, gastronomia, música, idioma e atividades culturais relacionadas aos costumes germânicos. Diferente de outros grupos folclóricos alemães que utilizam o traje bávaro, o traje típico do Windmühle relembra as roupas usadas na região de Hessen, da onde vieram os imigrantes da maior parte das famílias integrantes e a mesma região de onde vieram os primeiros colonizadores.
“Parar não é uma opção, é um dever que temos com a sociedade e com os nossos antepassados”, para a coordenadora, a missão do grupo vai além da cultura, é uma responsabilidade em manter viva as tradições.
A cultura e história de todo local pode ser contada também pelos sabores. A forte colonização alemã é vista na gastronomia de Joinville, com destaque para as áreas rurais que mais receberam imigrantes alemães na metade de 1800, como Pirabeiraba. Na rota turística da cidade está o Restaurante Colonial Gute Küche que, em alemão, significa “boa cozinha”. Um sonho de um motorista, Renato Schramm, com sua esposa e contadora, Dolores. Com mais de 30 anos de história, Gute Küche foi um dos primeiros locais a oferecer “buffet de café colonial” nesta região da cidade. Hoje quem cuida do restaurante é a filha, Carla Schramm, com seus filhos – um sonho que atravessou gerações. “Temos muitos clientes adultos que vinham ao restaurante quando eram crianças e podem resgatar memórias das suas famílias. E isso é muito legal, ver essas crianças crescerem e virarem adultos”, compartilha Carla.
No cardápio do local é possível encontrar famosos nomes da culinária alemã, como marreco com repolho roxo, schwartzauer (sopa preta) e eisbein (joelho de porco), servido com bockwurst, chucrute, batata e raiz fortes. “Hoje o público está mais acostumado com comidas de preparo rápido, como lanches, porções e pizzas. A maior parte dos nossos clientes são de Curitiba.”
Para Rodrigo Bornholdt, cônsul honorário da Alemanha em Joinville, um dos principais legados da imigração alemã é a forte ética, que resultou no desenvolvimento da indústria na cidade e em outras regiões de Santa Catarina. “As questões de trabalho e disciplina são características da cultura alemã. Principalmente pelo imigrante alemão ter chegado ao Brasil alfabetizado independentemente da sua classe social, graças à ideia de Lutero de que ao lado de cada igreja luterana, deveria existir uma escola.”
A aproximação entre Brasil e Alemanha vai além dos laços do passado. Desde 2015, os países são parceiros estratégicos, adicionando o Brasil em uma seleta lista formada por apenas 7 países. Segundo o cônsul, o país é um importante aliado, atraindo investimentos para todas as regiões, principalmente para a região Amazônica, Nordeste e Sudeste, com destaque para São Paulo – que possui o maior número de empresas alemãs fora da Alemanha. “Eles têm também um olhar muito especial hoje para o sul do país pela proximidade cultural e seus descendentes”, compartilhou Bornholdt. Esta aproximação também contribui para o incentivo do intercâmbio de estudantes. Um exemplo é o projeto de envio de profissionais da área de panificação de Joinville para capacitação na Baviera, que ocorre desde 1991.