População e resultados: O segredo de Cuba para o sucesso per capita
Henrique Duarte de Oliveira
O impacto das políticas esportivas em Cuba e o notável desempenho olímpico per capita, em contraste com desafios enfrentados por outras potências mundiais
Nos Jogos Olímpicos, o quadro de medalhas costuma destacar potências como Estados Unidos e China, que dominam os pódios. Ao analisar o desempenho olímpico per capita, nota-se que algumas das nações mais bem-sucedidas têm populações menores. Neste contexto, Cuba se destaca não apenas pelo número de medalhas conquistadas, mas pela densidade de sucesso em relação à população.
Cuba ocupa a 12ª posição no ranking de medalhas per capita, um feito notável considerando o contexto histórico e socioeconômico. Após a Revolução Cubana, o governo de Fidel Castro usou o esporte como uma ferramenta de projeção internacional e fortalecimento da identidade nacional.
De acordo com o Doutor em Ciências Filosóficas pela Universidade Estatal de Moscou Eduardo Freyre, ex-atleta e cinco vezes campeão nacional, membro da seleção nacional juvenil e da pré-seleção nacional adulta de Cuba, a criação de instituições como a EIDE (Escolas de Iniciação Desportiva Escolar) e a ESPA (Escolas de Aperfeiçoamento Atlético) foi crucial. “Essas instituições, somadas à infraestrutura esportiva em escolas e bairros e ao INDER (Instituto Nacional de Esporte e Lazer), formaram a base de um sistema esportivo massivo e gratuito que foi essencial para o sucesso de Cuba nas competições internacionais”, explica Freyre.
Jorge Manuel Mundiendil, imigrante angolano e ex-militar que viveu em Cuba entre 1984 e 1989, descreve uma Cuba onde “os sonhos eram uma realidade”, com forte apoio governamental em todas as áreas da vida, inclusive o esporte. “Os cubanos reagiam com euforia ao sucesso dos atletas nas Olimpíadas, mesmo sem grande patrocínio externo”, relembra.
Esse orgulho nacional e o envolvimento das forças armadas foram decisivos. Freyre acrescenta, “as instituições militares tinham uma estratégia desportiva clara, inserida nos acordos de cooperação com países socialistas e a União Soviética, fomentando uma cultura esportiva competitiva.” Com 250 medalhas em 22 participações olímpicas, Cuba possui um índice de 45.306 habitantes por medalha, superando países mais ricos e populosos. O segredo cubano está em criar uma base sólida de formação de atletas. Em um país com recursos limitados, o esporte tornou-se uma prioridade nacional, com programas de treinamento rigorosos e uma cultura que valoriza o sucesso atlético como resistência e orgulho.
Apesar de Cuba ter sido uma potência olímpica per capita por décadas, a queda da URSS (União Soviética) e o colapso do bloco socialista na década de 1990 marcaram um ponto de inflexão. Freyre explica que “a crise econômica resultante da queda da URSS, somada ao embargo dos EUA (Estados Unidos da América), fez com que Cuba perdesse muitos incentivos necessários para manter o desempenho no cenário internacional.” Essa crise resultou em declínio nos investimentos esportivos e emigração de talentos em busca de melhores oportunidades.
Bolsa Atleta: O que o Brasil pode aprender com Cuba?
Enquanto nosso vizinho latino enfrenta desafios econômicos, o Brasil começou a mostrar avanços significativos no cenário esportivo. A implementação de programas como o Bolsa Atleta e a realização dos Jogos Olímpicos Rio 2016 prova essa transformação. O professor Freyre destaca que “o crescimento brasileiro pode se beneficiar ao observar o modelo cubano, que prioriza a massificação do esporte para construir uma base sólida e sustentável para o sucesso olímpico.” Segundo Freyre, um dos aspectos mais importantes é a criação de uma mentalidade esportiva que envolve toda a sociedade, desde as crianças nas escolas até os atletas de alto rendimento.
No caso do Brasil, o desafio não se limita à formação de talentos, mas na manutenção de uma estrutura esportiva que permita o desenvolvimento de atletas, mesmo após os grandes eventos. A experiência cubana ensina que o sucesso no esporte vai além de investimentos financeiros, exigindo uma estratégia que valorize a cultura esportiva e a formação de atletas desde a base. O professor Freyre observa que “um dos pontos fortes de Cuba não foi apenas a construção de centros de excelência, mas a criação de oportunidades locais, o que democratizou o acesso ao esporte de alto nível.”
Seja em Cuba, com a abordagem estratégica de massificação esportiva, ou no Brasil, onde o Bolsa Atleta começa a criar uma estrutura mais sólida, o esporte não se resume apenas à busca por medalhas. Ele representa um caminho de transformação social, um símbolo de resistência e orgulho para nações que, apesar das adversidades, encontram na prática esportiva uma forma de se projetar e crescer. Essa perspectiva é crucial para o Brasil, que pode aprender com as vitórias e desafios de Cuba, adaptando o modelo para criar uma herança duradoura no esporte.
Cenário olímpico global
A análise per capita das medalhas olímpicas revela contrastes entre países populosos e com alto IDH. China e Índia, apesar de grandes populações, têm desempenhos per capita baixos, com 1.964.726 e 40.854.907 habitantes por medalha, respectivamente. Em contrapartida, nações com IDH elevado, como Suíça, Noruega e Dinamarca, mostram que qualidade de vida e acesso à educação e saúde favorecem o sucesso olímpico.