Resenha Crítica: Documentário Jogo de cena
Por Camila Bosco
O documentário Jogo de Cena, dirigido por Eduardo Coutinho e lançado no ano de 2007, é uma obra emblemática, complexa, mas que, ao mesmo tempo, significativa que quebra as barreiras entre o que é ficção e realidade. Filmado no Teatro Glauce Rocha no Rio de Janeiro, a obra de Coutinho (falecido em 2014) constitui-se de uma narrativa simples: entrevistar mulheres que compartilhem suas vivências, suas histórias de vida. Coutinho aposta em renomados nomes da arte brasileira, as atrizes Andrea Beltrão, Fernanda Torres e Marília Pêra passam a interpretar cada história em sua maneira. No conceito jornalístico é como um documentário quase totalmente sem o uso de offs, deixando que personagem narre sua própria história.
Nessa obra, a realidade e ficção se misturam em uma mesma linha do tempo quando as entrevistas são intercaladas entre a atuação e a pessoa real. O uso das entrevistas conduz a narrativa emocionantemente e é quase impossível não se colocar no lugar de cada mulher, quase impossível não sentir sua dor quando revisitamos memórias parecidas.
A escolha de um cenário mais simples somente com uma cadeira e a plateia vazia de fundo, criou um espaço propício para as histórias serem contadas de forma mais íntima e próxima com Coutinho, que ocupa o lugar de entrevistador, ele investiga cada história para compreender a complexidade das vivências. O som ambiente e o movimento das câmeras acompanhando cada personagem entrando no palco cria uma aproximação. A iluminação baixa compõe a imagem.
Um dos pontos altos é quando Coutinho conversa com as atrizes e todas mencionam a dificuldade de interpretar uma pessoa real quando passam a se distanciar do sentido técnico e se conectam com uma mulher real. O público acompanha as experiências que mostram a sensibilidade da mulher, a fraqueza, e, ao mesmo tempo, a força em meio a tantas turbulências da vida. Como jornalista, também me pergunto qual é o outro lado de cada relato. Como, por exemplo, a mãe que chora pelo perdão da filha que mora no exterior, me desperta a curiosidade em entender se há algo a mais que não foi dito por ela, desperta a vontade de querer ouvir o lado da filha também.
Eduardo Coutinho certamente convida ao espectador a repensar sua própria história de vida. A última cena em plano aberto da câmera virada para o palco, mostra em detalhes duas cadeiras viradas entre si, a iluminação baixa e a visão mostrada na câmera é como se estivesse esperando por alguém, enquanto as gravações encerram sem uma conclusão definitiva. Entendo que esse final cria a sensação de que o espectador não está mais no lugar de Eduardo — olhando para a pessoa em sua frente com atenção, pensando na complexidade da vida humana — mas que agora passa a assistir somente de longe, sem se colocar no lugar no outro. Ou até mesmo, lhe convidando para ir ao palco contar a sua narrativa neste jogo de espelhos.