Círio de Nazaré: A Fé que move distâncias
Por Beatriz de Sá
No segundo domingo de outubro, quando o sol começa a nascer em Belém, o meu coração bate mais forte, mesmo estando a quilômetros de distância. Aqui, na parte debaixo do mapa, assisto ao Círio de Nazaré pela tela da televisão, mais uma vez, com os olhos marejados e a alma conectada àquela multidão que invade as ruas da minha cidade. Não é só a saudade que fala mais alto, mas também a força dessa fé que sinto se estender através do tempo e do espaço, alcançando meu peito onde quer que eu esteja.
Ver Belém se transformar para receber o Círio é algo que sempre me tocou profundamente. As ruas ganham cores, as casas se enfeitam com cartazes, e o cheiro das comidas típicas invade a vizinhança, como se cada esquina fizesse questão de lembrar que o amor à Nossa Senhora de Nazaré está em cada detalhe. É o pato no tucupi, a maniçoba, aquele creme de cupuaçu que refresca o paladar servido de aromas quentes, além do sol de rachar que ilumina todo o estado… São sabores que vão muito além do paladar, são memórias vivas de uma infância marcada pelo calor dos encontros familiares e pelo abraço apertado dos amigos e de todos que queiram participar.
Sinto falta de caminhar pelas ruas repletas de gente, de ver o mar de fiéis movendo-se como se fosse um só corpo, todos guiados pela mesma devoção. As mãos se entrelaçam, os olhares se encontram, e há uma troca silenciosa de esperança. Pessoas que muitas vezes nem se conhecem se saúdam com um sorriso, um aceno ou um simples “Feliz Círio”. Ali, a fé não precisa ser explicada, ela é vivida, compartilhada, e sentida em cada passo, em cada oração sussurrada enquanto a Berlinda avança lentamente entre a multidão.
Do lado de cá, onde o Círio não chega, eu ainda sinto o pulsar de Belém. É como se fosse um sopro que aquece, porque me faz lembrar que não importa onde eu esteja, o Círio sempre me encontra. Ele chega através das lembranças, da imagem da Santa que carrego comigo, e da emoção que me invade quando vejo a corda humana, carregada de promessas e lágrimas de gratidão que se misturam no banho de águas jogadas pelos fiéis como uma forma de abrandar os passos descalços e calejados de cada promesseiro. Vejo a Berlinda bem focada, toda enfeitada com seu manto reluzente e o rio humano que se forma ao redor e nas ruas da cidade a gritos de fé. A fé é uma corrente que nos conecta e nos leva para mais perto de casa, mesmo que apenas por alguns instantes.
Para quem nunca viveu o Círio de Nazaré, eu digo: Se permita, um dia, sentir essa força que é capaz de unir milhões de corações em uma só voz. Não é necessário ser religioso para se deixar tocar pela grandiosidade desse momento. Basta ter fé, ou, pelo menos, acreditar na beleza do encontro e na força da tradição. Porque o Círio não é só para os devotos, mas para todos que desejam vivenciar uma experiência de amor e gratidão, uma manifestação que atravessa gerações e faz de Belém um solo sagrado, onde a fé se mistura ao ar e se torna quase palpável.
E enquanto eu vejo tudo pela televisão, com o coração pulsando junto ao mar de gente que inunda as ruas, compreendo que a fé é, acima de tudo, um caminho de volta para casa. E nesse caminho, o Círio me alcança, me abraça e me faz sentir de novo as batidas de Belém dentro de mim que faço questão de manifestar aonde quer que eu vá. O Círio é algo que nenhuma explicação poderá explicar, mas um dia, se você quiser entender, viva um dia de Círio.