Gravidez na adolescência: a jornada da maternidade precoce como desafio social e de saúde pública no Brasil
Por Hayana Ribas
“Quando descobri que estava grávida, eu tinha acabado de fazer 17 anos. Foi um choque. Eu não esperava, não era aquilo que eu tinha planejado para mim”, confessa Thalissa dos Santos Falau, de 19 anos, mãe do pequeno Noah, de um ano e seis meses. Quantas vezes histórias como essa se repetem entre adolescentes que se deparam com a maternidade antes do esperado?
As pressões sociais para que as mulheres se tornem mães são persistentes e universais. Perguntas como “Quando o bebê vem?”, ou comentários como “Você já está na idade, hein!” são comuns e muitas vezes refletem expectativas culturais e familiares. Contudo, se de um lado há uma cobrança constante para que as mulheres abracem a maternidade, do outro, o julgamento e a crítica emergem rapidamente quando isso acontece precocemente, como no caso de uma gravidez na adolescência.
Thalissa é uma das jovens que viveu essa realidade. Hoje, ela não consegue imaginar sua vida sem o filho, descrevendo a maternidade como um amor inexplicável. No entanto, sua jornada, como a de mais de 200 mil adolescentes que enfrentam a gravidez precoce no Brasil, teve início com susto, incertezas e muitos desafios.
A gravidez na adolescência continua sendo uma preocupação relevante para a saúde pública no Brasil e em muitos outros países ao redor do mundo. Dados do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) indicam que, apesar de uma queda gradual nas últimas décadas, o Brasil ainda tem uma das maiores taxas da América Latina. Este fenômeno representa não apenas uma questão de saúde pública, mas também um desafio social e econômico para muitas famílias e comunidades.
Em 2020, aproximadamente 380 mil nascimentos foram de mães com até 19 anos, representando 14% do total de partos no Brasil. No ano anterior, essa taxa foi de 14,7%, e em 2018, de 15,5%. Esses dados são provenientes do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos, do Ministério da Saúde, e foram analisados no projeto “Gravidez e Maternidade na Adolescência – um estudo da Coorte de 100 milhões de Brasileiros”, desenvolvido por especialistas do Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para a Saúde (CIDACS-Fiocruz).
Estudos apontam que diversos fatores influenciam essas estatísticas, como desigualdade socioeconômica, acesso limitado à educação sexual, e falta de informação sobre métodos contraceptivos.
A mesma pesquisa do CIDACS mostra ainda que, em 2020, a maior concentração de nascidos vivos de mães adolescentes ocorreu nas regiões Norte (21,3%) e Nordeste (16,9%), seguidas pelo Centro-Oeste (13,5%), Sudeste (11%) e Sul (10,5%), refletindo também a vulnerabilidade social dessas áreas.
A questão racial também foi destacada no estudo. Em 2020, entre os nascidos vivos de mães indígenas, 28,2% eram de adolescentes. Entre as mulheres pardas que se tornaram mães, 16,7% dos bebês eram de adolescentes, enquanto entre as mães pretas, esse número foi de 13%. Para as mães brancas, 9,2% eram adolescentes. Com base nesses dados, o CIDACS ressalta que a gravidez na adolescência deve ser tratada sob uma perspectiva de saúde coletiva, com ênfase nas desigualdades e suas consequências na saúde das adolescentes.
Impactos na vida das jovens
A gravidez precoce pode ter efeitos significativos na vida das jovens e de suas famílias. Adolescentes que engravidam enfrentam desafios como a interrupção dos estudos, o que frequentemente limita suas oportunidades de trabalho e crescimento profissional. Além disso, a maternidade em idade precoce está relacionada a um maior risco de complicações na saúde, tanto para a mãe quanto para o bebê, como partos prematuros e baixo peso ao nascer.
“No momento que descobri, que vi o positivo, eu fiquei sem chão, eu só sabia chorar, eu fiquei muito nervosa, veio um misto de emoções. Era uma insegurança, um medo, um susto, porque eu não esperava, não era o que eu estava querendo naquele momento, eu fiquei sem conseguir aceitar aquilo”, conta Thalissa. O impacto emocional também é profundo. Muitas jovens relatam sentimentos de isolamento social e a necessidade de assumir responsabilidades para as quais, em muitos casos, não estão preparadas. “Levou um tempo para eu aceitar, para eu pensar, botar minha cabeça no lugar, porque eu tinha muito medo, eu fiquei muito insegura naquele momento. Pensei, ‘Será que eu vou conseguir? Será que eu vou dar conta mesmo?’. Não é fácil, eu tão nova, passou muita coisa na minha cabeça. Mas depois com o tempo tudo foi se encaixando e eu aceitei numa boa”, revela.
A psicóloga Bruna Tolotti Colognese, 35 anos, pós-graduada em Terapia Cognitivo-Comportamental, explica o profundo abalo emocional que a gravidez na adolescência pode causar. Segundo ela, a imaturidade emocional e cognitiva dessas jovens desempenha um papel significativo no processo. “A adolescente ainda não tem a maturidade emocional e cognitiva para ser mãe, para cuidar de outro ser humano. Isso impacta bastante, pois ela acaba tendo que amadurecer antes do tempo, antes do esperado. Há questões comuns em qualquer gestação, como ansiedade, medo e ambivalência — aquele sentimento de ‘eu quero esse bebê’, mas, ao mesmo tempo, ‘eu não quero’, porque tenho medo, porque não sei como será. Qualquer gestante experimenta isso, então imagine como isso é potencializado em uma adolescente.”
Além dos desafios naturais da maternidade, a fase da adolescência, por si só, já envolve emoções intensificadas, o que agrava ainda mais o cenário.
“Lembrando que, na adolescência, as emoções são mais afloradas. O adolescente tem mais dificuldade de controlar e compreender as próprias emoções, então a ansiedade que uma mãe adulta vivenciaria durante a gestação, a adolescente vai sentir de forma muito mais intensa. E essas emoções fazem parte do processo gestacional”, destaca a psicóloga.
Além da insegurança e do medo naturais que surgem nas jovens durante esse período tão delicado, é fundamental destacar outro fator relevante: a maternidade solo. Esta é uma preocupação comum entre muitas jovens que enfrentam a gravidez precoce. A possibilidade de assumir sozinha a responsabilidade de criar um filho pode gerar um sentimento avassalador de insegurança e incerteza. Além dos desafios emocionais e financeiros, as mães solo muitas vezes enfrentam o estigma social e a falta de suporte familiar ou comunitário. Nesse cenário, a sobrecarga mental e física é ainda maior, uma vez que precisam equilibrar suas próprias transições para a vida adulta enquanto assumem o papel de principal cuidadora de um novo ser.
“Nós éramos novos, eu tinha 17 e o pai do nenê tinha 19 anos. Como não foi planejado por nós, foi um susto para ele também quando descobriu que ia ser pai, mexeu muito com o nosso psicológico, nossa vida ia mudar totalmente. A gente chegou dar um tempo, terminar nosso relacionamento, e isso mexeu bastante comigo. Eu pensei, ‘nossa, tô grávida, tão nova e ainda vou ser mãe solo’. Isso mexeu muito comigo, mexeu com a minha cabeça. Mas, enfim, depois de sete meses separados, nós conversamos, analisamos o que precisava mudar e decidimos tentar mais uma vez, estamos juntos até hoje”, relata Thalissa.
Uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getúlio Vargas, apontou um aumento de 17% no número de mães solo na última década. Em 2012, eram 9,6 milhões, número que ultrapassou 11 milhões em 2022. Destas, 72,4% vivem apenas com os filhos, sem contar com uma rede de apoio próxima. Além disso, mais da metade dessas mulheres não completou o ensino médio ou superior.
“Querendo ou não, a minha gravidez afetou os meus planos de vida e a minha educação, eu não consegui completar o meu ensino médio. Quando eu descobri que eu estava grávida, eu estava no segundo ano do ensino médio, eu quis continuar estudando para eu não ficar tão em casa. A escola em si ela me apoiou bastante, foram muito queridos comigo, mas depois de um tempo aconteceram algumas coisas dentro de sala de aula com professores que me chatearam bastante, me deixaram bem triste e foi aí que decidi abandonar os estudos e não terminei”, revela Thalissa.
Entre os desafios enfrentados por Thalissa durante a gravidez, a interrupção dos estudos foi um dos mais marcantes. Embora tenha encontrado apoio inicial da escola, situações desconfortáveis envolvendo a falta de empatia de alguns professores contribuíram para sua decisão de abandonar o ensino médio. O impacto emocional dessa falta de acolhimento revelou a importância de um ambiente educacional mais preparado e sensível às jovens gestantes, como ela mesma defende.
“Não concluí o meu segundo ano, por motivos de professores não terem uma empatia. Não digo todos os professores, alguns em específico. Em vez de eles me ajudarem, eles estavam me caluniando. Uma situação muito chata aconteceu durante uma aula, fiquei bastante chateada. Acredito que as escolas devem preparar melhor os professores, terem mais conversas com eles sobre o assunto, treinamentos, para terem mais empatia e cuidado com as adolescentes grávidas.”
O preconceito que assombra
O preconceito enfrentado por adolescentes grávidas é uma realidade que gera cicatrizes profundas, tanto emocionalmente quanto socialmente. Muitas vezes, essas jovens são julgadas de forma dura, sendo vistas como irresponsáveis ou imaturas, o que agrava ainda mais a situação vulnerável em que se encontram.
“Eu acho que um dos maiores desafios, que me deixou bem chateada, foi as pessoas julgando. As pessoas falando de mim por aí, pela cidade, eu descobrindo meninas da minha idade falando de mim. Falas do tipo ‘isso é ridículo, é horrível’, ‘olha a idade, porque não se cuidou?’, ‘sua vida acabou’. Isso foi algo que mexeu bastante comigo e que me pegou bastante durante a minha gestação, foi a coisa que mais mexeu com a minha cabeça”, conta a jovem.
Comentários negativos e olhares de reprovação vindos de familiares, amigos, ou até desconhecidos, tornam o processo de adaptação à gravidez mais difícil, fazendo com que elas se sintam isoladas e culpadas.
“Eu acho que a sociedade, sim, ela realmente precisa ter mais empatia e ser mais acolhedora com as meninas que estão grávidas na adolescência ou que são mães solos, hoje em dia tem muito julgamento. Essa vez foi comigo, mas a gente não sabe, outro dia pode ser com a filha de outra pessoa também, ninguém está livre de um dia não acontecer com alguém da família. As pessoas deveriam ser mais acolhedoras e pensar um pouco mais no próximo e nos sentimentos do outro, muitas vezes não é uma escolha nossa estar passando por aquilo naquele momento, simplesmente aconteceu e você tem que aceitar”, declara.
Para romper esse ciclo de julgamento, especialistas afirmam que se faz necessário promover mais diálogos abertos e conscientizar sobre a necessidade de acolhimento, garantindo que essas jovens tenham o suporte necessário para enfrentar a gravidez de forma digna e sem preconceitos.
Educação sexual e prevenção
O debate sobre a necessidade de uma educação sexual abrangente nas escolas continua a ser uma pauta importante. Especialistas defendem que deve ir além da abordagem sobre biologia e reprodução, abordando temas como relações saudáveis, respeito mútuo, e a importância do consentimento. A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que programas educativos com essas características sejam implementados como uma das maneiras mais eficazes de prevenir a gravidez precoce.
Programas de conscientização e campanhas de prevenção, como o Programa Saúde na Escola (PSE), têm sido fundamentais para melhorar o acesso a informações sobre contraceptivos e saúde reprodutiva entre adolescentes. Porém, especialistas apontam que esses esforços precisam ser mais intensos e melhor distribuídos, especialmente nas regiões mais afetadas.
“Não adianta, a escola ainda é, às vezes, o único espaço em que o adolescente vai ter acesso a essa informação (educação sexual e prevenção). Porque por mais que o mundo tenha mudado e as pessoas estão mais, talvez, ‘liberais’, em relação ao comportamento sexual, falar sobre isso com os filhos ainda é um tabu. Por isso que a escola acaba sendo um lugar para a gente levar informação de qualidade, informação correta, porque esse é outro problema das redes sociais, a gente tem acesso a muita informação, mas o quanto dessa informação tem qualidade, aí já é bem questionado”, explica Bruna.
Políticas públicas e desafios futuros
Diversas iniciativas governamentais têm buscado enfrentar o problema da gravidez na adolescência, como a distribuição gratuita de métodos contraceptivos nas unidades do Sistema Único de Saúde (SUS) e a criação de políticas para apoiar adolescentes grávidas a continuar seus estudos. No entanto, a implementação dessas políticas muitas vezes enfrenta obstáculos, como a falta de infraestrutura e o estigma social em torno da gravidez precoce.
Especialistas sugerem que as políticas públicas precisam ser reforçadas e integradas com ações que melhorem a qualidade de vida dos jovens. A promoção da igualdade de gênero e o combate à pobreza são aspectos essenciais para garantir que as adolescentes tenham maior controle sobre suas decisões reprodutivas e perspectivas de vida.
Vale ressaltar que, de acordo com a Pesquisa Nacional do Aborto de 2021, realizada por acadêmicos da Universidade de Brasília (UnB) com o apoio da Anis, organização de defesa dos direitos das mulheres, 52% das brasileiras que relataram ter realizado um aborto o fizeram antes dos 19 anos. O fenômeno conhecido como aborto de repetição, que ocorre quando uma mulher passa por duas ou mais interrupções, foi identificado em 21% dos casos. Além disso, uma em cada sete mulheres no Brasil já passou por um aborto até os 40 anos.
A gravidez na adolescência é um problema complexo e multifacetado que envolve questões de saúde, educação e justiça social. A redução das taxas de gravidez precoce no Brasil depende de esforços conjuntos do governo, da sociedade e da própria família. Somente com o fortalecimento de políticas públicas, educação sexual adequada e suporte emocional às adolescentes será possível diminuir os impactos negativos desse fenômeno e criar um futuro mais promissor para as jovens brasileiras.
Em um país em desenvolvimento, garantir o bem-estar de suas adolescentes é um passo fundamental para a construção de uma sociedade mais justa e equitativa.
“Eu tive um apoio gigantesco da minha família que foi o essencial para mim. A minha mãe, ela estava comigo quando eu fiz o teste, ela ficou comigo, me apoiou desde aquele momento até o final da minha gestação e até hoje. Não só ela como a minha família inteira, me deram carinho, amor, me acolheram. Eu não sei explicar, eles me passavam uma sensação tão maravilhosa, eu me sentia tão bem”, conta Thalissa.
A vida depois da maternidade
Ser mãe é enfrentar medos profundos, mas também é descobrir uma força que se acreditava inexistente, um desejo ardente de proteger e guiar. A maternidade é um caminho de entrega, aprendizado e gratidão, onde cada desafio se torna uma oportunidade de crescimento, e a vida, com todas as suas imperfeições, se torna um presente inestimável. É nessa trajetória que Thalissa encontrou não apenas a mudança em sua vida, mas também a razão pela qual cada dia vale a pena ser vivido.
“A maternidade é uma coisa muito louca, ela muda você de um jeito que você nem imagina que você iria mudar. Durante a gestação, você imagina tudo de um jeito, mas depois que o nenê nasce, que vai passando os dias, que você vai evoluindo junto com ele, você vai evoluindo como mãe, você vai criando um sentimento inexplicável. Você não consegue mais se imaginar sendo a mesma pessoa de antes, como eu vivi tanto tempo sendo aquela pessoa, sem esse serzinho do meu lado? É uma coisa muito louca, porque você cria um amor, um cuidado, uma proteção, hoje em dia, eu não me vejo mais sendo a pessoa de antes, sem o Noah. Mesmo eu sendo uma mãe nova, ele me traz uma luz, uma alegria inexplicável que eu nunca senti antes, é um amor tão puro, um amor tão verdadeiro que hoje em dia a gente só pensa em evoluir, em crescer, em ter a nossa família, ter as coisinhas assim. Tu não pensa mais só em você, agora é a tua família, é crescer, evoluir.
Para as meninas que estão passando por essa experiência, eu digo que eu sei que não é fácil, no início a gente não aceita, a ficha demora para cair, dias, meses, a gente não entende o porquê de a gente ser escolhido naquele momento, mas depois que você tem o teu filho no colo, que você vê aqueles olhinhos, ou quando ele dá o primeiro sorrisinho para você, você vai ver que tudo que você passou valeu a pena, porque não tem coisa melhor no mundo do que você receber o amor do teu filho, um amor tão verdadeiro, é uma coisa inexplicável. Hoje eu agradeço a Deus por ter me escolhido, por ter me capacitado em ser mãe, porque eu acho que eu nunca senti a felicidade e o amor que eu sinto hoje em dial”, conclui Thalissa.