Hortas comunitárias e agricultura orgânica: sustentabilidade ao alcance de todos?
Benefícios e desafios da agricultura orgânica no Brasil
Por Lara Donnola Rodrigues
A alimentação adequada é um direito previsto na Constituição Federal, assim como o acesso gratuito à saúde e à educação. No entanto, a realidade do acesso a esses direitos varia significativamente. Segundo dados do módulo Segurança Alimentar da PNAD Contínua, divulgados pelo IBGE em abril de 2024, um em cada quatro domicílios brasileiros apresentou algum grau de insegurança alimentar em 2023, o que significa que os moradores não sabiam se teriam comida suficiente ou adequada na mesa.
Conforme o relatório, ao todo, cerca de 64,1 milhões de pessoas viviam nesses domicílios, das quais 11,9 milhões enfrentavam uma situação extremamente grave, enquanto outras 8,6 milhões estavam à beira da fome.
Na tentativa de colaborar para mudar esse quadro, um grupo de voluntários formou o projeto Pertim, uma horta comunitária agroecológica. “O objetivo foi plantar agroflorestas sociais para criar segurança e autonomia alimentar através da agricultura regenerativa”, informou a jornalista Bianca Villanova, uma das voluntárias.
Juntos, vários voluntários abriram canteiros, adubaram e passaram a cultivar alimentos orgânicos, revezando-se para cuidar do local, que fica em Campinas – São Paulo, na Comunidade Menino Chorão. Inicialmente, a ação ocorreu no contexto da pandemia de Covid-19. “Na época, o cenário era de muita fome, muitas pessoas enfrentavam dificuldades para se alimentar. Então nós começamos doando algumas cestas de orgânicos para comunidades carentes”, informou a comunicadora.
Em 2021, na pandemia, 48,1 milhões de brasileiros não tinham acesso à alimentação saudável, como apontou o Panorama Regional da Segurança Alimentar e Nutrição na América Latina, divulgado pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 2023. Isso representa 22,4% da população do Brasil. Além disso, conforme o relatório, o número de brasileiros que têm dificuldades em manter uma alimentação saudável aumentou.
Após um ano trabalhando no cultivo e doação de alimentos, os voluntários do projeto Pertim perceberam que apenas a doação não era suficiente. “O nosso foco nunca foi só a segurança alimentar, mas sim proporcionar a autonomia alimentar, para que as pessoas pudessem ter acesso à comida que elas desejassem, comida local, de qualidade e tudo mais”, informou Villanova. No entanto, alcançar esse objetivo ainda é uma realidade distante.
Desafios para manter uma alimentação saudável no Brasil
A alimentação é um fator essencial para garantir a saúde da população, conforme a Lei Orgânica da Saúde, que regulamenta o SUS. Segundo um estudo da Faculdade de Saúde Pública da USP, a população brasileira atinge apenas cerca de 30% das recomendações para uma dieta saudável. Entre as principais causas dessa situação, está a crescente desigualdade social, junto à alta nos preços dos alimentos, o que leva ao aumento no consumo de industrializados ultraprocessados, que são mais baratos.
Outro estudo realizado pela Universidade Federal de Uberlândia apontou que 30% de brasileiros escolarizados relataram consumo diário de alimentos in natura, enquanto entre os menos escolarizados esse percentual caiu para apenas 20,4%. A pesquisa identificou que, se todos os brasileiros consumissem alimentos in natura com a mesma frequência que aqueles com maior escolaridade (37%), haveria um aumento de aproximadamente 7% no consumo desses alimentos na população geral.
Como o custo de produtos orgânicos no mercado são muito mais altos, Bianca Villanova enxerga as hortas comunitárias como uma alternativa para democratizar o acesso a alimentos saudáveis a todas as classes sociais.
Impactos na comunidade
“As hortas comunitárias não são apenas espaços para cultivar alimentos saudáveis, são também lugares de convivência, aprendizado e integração”, disse Villanova. Além de ser uma solução para democratizar o acesso a esses alimentos, ela afirma que iniciativas como a do projeto Pertim, podem garantir comida de qualidade na mesa das famílias mais vulneráveis.
A voluntária observou diversos impactos positivos que a horta comunitária teve na comunidade. “O espaço se tornou um ponto de encontro e convivência, onde eventos como mutirões aproximaram pessoas do centro urbano e da periferia, criando uma ponte entre diferentes contextos socioeconômicos”, relatou.
Villanova informou que isso permitiu à comunidade o acesso a novos recursos e apoios, como de médicos, advogados e outros profissionais, que passaram a contribuir com suas habilidades. “Além disso, a horta gerou renda pontual para algumas mulheres, que preparavam refeições durante os eventos e também produziam e vendiam pamonhas, valorizando um produto tradicional feito por mãos periféricas”, salientou.
As parcerias, especialmente com outras organizações, facilitaram o acesso a recursos e promoveram trocas de conhecimentos importantes, fortalecendo o projeto e suas possibilidades de expansão. Segundo a comunicadora, o trabalho realizado também incentivou algumas pessoas a continuar plantando, e elas mantêm o cultivo com entusiasmo.
O avanço da segurança alimentar no Brasil
Embora os dados de brasileiros em situação de insegurança alimentar ainda sejam preocupantes, a PNAD também aponta que a segurança alimentar nos domicílios brasileiros voltou a crescer no ano passado. Em 2023, 72,4% dos domicílios brasileiros, equivalentes a 56,7 milhões de residências, estavam em situação de segurança alimentar (tinham acesso permanente à alimentação adequada).
Esse percentual representa um aumento de 9,1 pontos percentuais em comparação com a última pesquisa do IBGE sobre o tema, a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) de 2017-2018, que registrou 63,3% dos lares do país em situação de segurança alimentar. De acordo com o IBGE, essa melhora está ligada a fatores como investimento em programas sociais e recuperação econômica.
Por que alimentos orgânicos ainda são inacessíveis?
Apesar da evolução em relação à segurança alimentar, o Brasil ainda continua no Mapa da Fome da ONU. O órgão aponta que um dos maiores problemas está na implementação de políticas públicas alimentares nos municípios. Portanto, essa questão também é responsabilidade do prefeito e dos vereadores.
Villanova considera que o maior obstáculo para tornar os alimentos orgânicos acessíveis no Brasil está no sistema socioeconômico e político, que prioriza o agronegócio e os latifúndios, em detrimento dos pequenos agricultores familiares.
A comunicadora destaca que o apoio financeiro a esses agricultores é insuficiente, e que os subsídios, que são comuns em outros países, não existem aqui, dificultando a transição do modelo convencional para o orgânico. “O lobby das grandes empresas agroquímicas influencia políticas que favorecem o uso de agrotóxicos, complicando ainda mais a expansão do cultivo orgânico”, ressaltou.
Pela experiência que teve trabalhando na área, Bianca declara que o mercado também é injusto com os produtores, pois a maior parte do lucro fica com empresas intermediárias que processam e distribuem os produtos, enquanto o agricultor recebe pouco.
Embora ainda exijam organização e investimento, Villanova acredita que uma das soluções está em facilitar o acesso a recursos e subsídios para pequenos agricultores. Além de fomentar iniciativas como hortas comunitárias, que podem ajudar a fornecer alimentos orgânicos acessíveis em áreas urbanas.