A conservadora Coreia do Sul se abre à representação LGBTQI+
Produções audiovisuais enfrentam resistência ao trazer à tona temas polêmicos
Por Maria Clara Kuboski Dos Santos
Uma das séries mais comentadas do ano na Coreia do Sul causou polêmica não só pela trama envolvente, mas por abordar temas reais e sensíveis. “Love in the Big City” foi a primeira a retratar, em um contexto local, a vida de um jovem gay vivendo com HIV (vírus da imunodeficiência humana), causador da AIDS, em meio a uma sociedade que ainda lida com temas de sexualidade e saúde com cautela e, por vezes, silêncio. Ao desafiar essa tradição, a produção ganhou aplausos e rejeições, expondo um dilema enfrentado por muitos cineastas: como quebrar tabus e abrir espaço para narrativas que representam a
diversidade LGBTQI+. Vitória Machado, formada em cinema, afirma que tanto o cinema quanto séries e novelas ainda estão no começo da representatividade e aceitação da comunidade LGBTQI+. “Claro
que em 2024, há muita visibilidade das mulheres negras em papéis principais, e isso é maravilhoso! Porém, na questão de mulheres lésbicas, como no meu caso, elas não aparecem tanto. E, quando aparecem, sinto que ainda é pouco”. O administrador da página “Cinematografia Queer”, Eduardo de Assunção, reforça a importância de protagonistas representativos no cinema, principalmente para jovens em fase de autodescoberta. “Acho extremamente importante, não apenas pela questão da identificação dos jovens LGBTs em formação, mas também pelo conhecimento da história do movimento, que, assim como a sétima arte, evoluiu com o passar das décadas”, observa. “Conectar-se com uma obra cinematográfica é também uma maneira de se autoconhecer.”. Ele destaca que o cinema permite que jovens e adultos da comunidade reflitam sobre a própria identidade ao verem suas histórias ganharem vida nas telas.
Resistência e estereótipos no cinema
Apesar do avanço, Vitória Machado aponta que, ao tratar de papéis lésbicos, a representação ainda deixa a desejar, geralmente seguindo padrões heteronormativos. “ O mundo ainda é muito heteronormativo, sempre focando muito nos homens brancos, cis e héteros”, ela explica, apontando uma tendência de reforçar papéis limitados no cinema. As narrativas que fogem aos estereótipos oferecem mais do que entretenimento: são fontes de identificação. No entanto, a recepção crítica e do público geralmente reflete uma sociedade dividida em relação a essas mudanças. “Eu acredito que o público está um pouco dividido entre amar as personagens LGBTQI+ e odiá-las”, comenta Vitória. Apesar da recepção ainda lenta, essas representações auxiliam na transformação gradual da percepção social, particularmente entre as gerações mais novas. Eduardo destaca a importância desses filmes para uma sociedade mais receptiva e aberta, considerando que o cinema queer é “uma excelente opção para promover direitos, levantar bandeiras, tocar em feridas e continuar batalhando por uma sociedade mais tolerante”.
Tailândia legaliza o casamento LGBTQI+
No dia 18 de junho deste ano, a comunidade LGBTQI+ teve outra vitória quando a Tailândia legalizou a igualdade de casamento. Esta decisão foi fortemente impactada pela crescente presença da comunidade na cultura popular, em particular nos filmes e séries que ganharam ampla aceitação. Um exemplo disso foi a série “Not Me”, que buscou destacar a ilegalidade de casamentos homoafetivos e questionou a falta de reconhecimento legal de tais relacionamentos no país. A sociedade está gradualmente se abrindo para a diversidade, com o aumento da representação da comunidade LGBTQIA+ na mídia. Produções audiovisuais, tanto na Tailândia quanto na Coreia do Sul, estão sendo fundamentais nesse aspecto de mudança social.