
Ainda Estou Aqui – e para sempre estará!
Resenha crítica por Guilherme Beck Scolari
Ainda Estou Aqui, de Walter Salles, é um cruel retrato de um tempo que, embora polêmico e muito distorcido na modernidade, nos lembra daqueles que muito sofreram e até hoje sentem o pesar e a crueldade da ditadura militar brasileira, seja pela tortura, perda de entes queridos e amigos ou pela demora, e até muitas vezes ausência, de uma retificação do Estado.
A obra, baseada em fatos reais, assim como na obra de mesmo nome escrita por Marcelo Rubens Paiva, retrata o endurecimento da ditadura militar brasileira na década de 70.
No Rio de Janeiro, a família Paiva – Rubens, Eunice e seus cinco filhos – vive à beira da praia em uma casa de portas abertas para os amigos. Um dia, Rubens é levado por militares à paisana e desaparece, levando sua esposa, Eunice – interpretada por Fernanda Torres – a ter de enfrentar a angústia de não saber o paradeiro de seu marido, assim como o cotidiano da família em meio ao governo militar no período ditatorial.
O que mais me surpreendeu no longa, além da já muito comentada performance de Fernanda Torres, é o poder da sugestão implementada por Walter Salles na direção do longa. O multifacetado trabalho sonoro, assim como a exploração aprofundada da linguagem cinematográfica na construção das cenas a partir do enquadramento, cortes e da cinematografia, compõem um longa-metragem de primeira. O longa é um excelente exemplo de uma das mais famosas regras do cinema, se é que podemos assim chamá-la: “show, don’t tell”, ou, no português bem dito: Mostre, não fale. O uso da linguagem cinematográfica é mais importante do que a exposição de informações de forma falada em um roteiro bem construído. Ao invés de colocar dois personagens falando sobre que sentem, um bom diretor usa artifícios como a cinematografia, planos mais longos e um uso contido da trilha sonora para exaltar os sentimentos de seus personagens – por exemplo. Walter Salles demonstra dominar a linguagem da história que quer contar com maestria, elevando as performances de seu elenco com cenas intensas, muito bem iluminadas por uma direção de arte ímpar – com direito a uma das melhores recriações de época que já vi no cinema. Acho um crime a não indicação de Walter Salles como melhor diretor pela academia.
A grande estrela, Fernanda Torres, imprime um tormento de emoções em uma performance contida, porém brilhante. É comum associarmos atuações marcantes com gritos, choro e longos discursos. A força na atuação de Fernanda está em sua sutileza ao demonstrar emoções conflitantes em meio a acontecimentos traumáticos. O grau de complexidade do trabalho da atriz está nos ricos detalhes que esta imprime em sua personagem. Um olhar, um sorriso em falso, a preocupação impressa em um semblante traumatizado criam uma atuação rica em seu peso e detalhes. A atriz concretiza seu nome na história do cinema nacional, mesmo não tendo conquistado a estatueta do Oscar, que, todos sabemos, era muito mais do que merecida.- talvez o Oscar que não mereça nossa querida Fernanda Torres!
Selton Mello também está ótimo, conquistando o público com seu charme característico. Não por isso, seu trabalho pode ser considerado simplista ou fácil; seguindo uma fidedignidade com a figura de Marcelo Rubens Paiva, o ator traz para o filme o motor que servirá como motivador para a trama.
O ritmo pode ser um pouco estafante, pois, ao enfatizar a claustrofobia e angústia dos personagens, a trama pede por um ritmo mais lento. Mesmo não enjoando ou pecando em excesso, o filme pode ser um pouco cansativo para o espectador mais casual – caso a história não lhe prenda desde o princípio.
Por fim, gostaria de indicar o longa a todos, pois seu retrato histórico, juntamente ao belo uso da linguagem cinematográfica e performances fantásticas, fazem de Ainda Estou Aqui uma experiência brutal e avassaladora para todos que se interessam em voltar um pouco no tempo para uma época cruel, fria e melancólica do Brasil.
Filmaço, gravado eternamente na história do Brasil como nosso primeiro Oscar!