
Poluição em oceanos pressiona iniciativas de conservação marinha
Fragmentos de sacolas e embalagens flexíveis são os itens mais ingeridos por tartarugas, segundo o Oceana Brasil
Por: Camila Bosco e Caroline de Apolinário
Durante muito tempo, o oceano foi espaço de sonhos, lembranças e destino de paz. O céu limpo, o sol ao fundo e as ondas foram assinaturas de fotografias e destinos de férias. O próprio mar chegou a nomear canções, como os versos clássicos de Tim Maia em “Azul da Cor do Mar” que falam sobre um motivo para viver, um sonho azul da cor do mar. No entanto, a paisagem, que antes era tão admirada pela beleza e sons relaxantes, aos poucos vai se transformando em uma maré carregada por plásticos e ondas onde os restos de lixo surfam, onde o mar já não é mais tão azul.
A crise climática, essas palavras que vemos estampadas em tantos lugares, já não se resume a previsões. Luciano Lorenzi, 56, professor e pesquisador da Universidade da Região de Joinville, explica um dos principais caminhos para enfrentar os desastres ambientais. “A população precisa ser educada. As pessoas vivem muito fora da natureza, como se estivessem separadas dela. Muitos ainda acreditam que o ser humano está no controle do ambiente, mas isso é uma ilusão. Nós não controlamos nada.” Ele ressalta que o primeiro passo é compreender o que é, de fato, a natureza. “A natureza não é um bichinho. Ela é extremamente complexa, e o mar é um bom exemplo disso. A maior parte das pessoas conhece o ambiente marinho pela praia, mas aquela faixa visível é apenas uma pequena parte de um sistema gigantesco e interligado.”

Os efeitos das mudanças climáticas já são sentidos em diversas áreas, principalmente na agricultura. “As perdas de produção estão cada vez mais frequentes. Eventos extremos, como os que ocorreram recentemente no Rio Grande do Sul — com três dias seguidos de chuvas intensas —, são exemplos disso. Esses fenômenos não são novos, mas o que preocupa é que estão se tornando mais recorrentes. O intervalo entre eles, que antes era de 70 ou 100 anos, agora é de apenas 20 ou 30. E isso é pouco tempo se pensarmos em gerações”, explica Lorenzi.
Quando falamos sobre mudanças no clima, é comum pensarmos apenas nos fenômenos atmosféricos, como as chuvas e os ventos. No entanto, há também fenômenos importantes que ocorrem dentro dos oceanos e que estão diretamente ligados ao aquecimento global, especialmente por meio das correntes marinhas. Os oceanos têm uma profundidade média de 3.500 a 4.000 metros. As regiões mais profundas são chamadas de regiões abissais, uma classificação baseada justamente na profundidade. À medida que se desce, a água vai ficando mais fria, com exceção de algumas áreas específicas onde há atividade vulcânica. No geral, essas águas profundas mantêm uma temperatura por volta de 4 °C.
O aquecimento das águas oceânicas é responsável por 40% do aumento global do nível do mar, de acordo com o relatório da UNESCO. Nas camadas mais profundas, ocorrem circulações mais lentas, mas que ainda assim exercem grande influência sobre o clima global. Um exemplo bastante conhecido é a Corrente do Golfo do México, que varia ao longo do ano e transporta água quente da região tropical do golfo em direção à Europa. Normalmente, a água fria — por ser mais densa — permanece nas camadas mais profundas, enquanto a água quente — mais leve — fica na superfície. Quando essas camadas se encontram, há uma movimentação provocada pela diferença de temperatura, gerando correntes e circulações.
A ligação entre os sistemas oceânicos e atmosféricos é direta e indissociável. Segundo o professor Lorenzi, no Hemisfério Norte os efeitos são mais intensos devido à maior quantidade de massa continental em relação à oceânica, o que favorece maiores variações de temperatura. Já no Hemisfério Sul, os oceanos atuam como reguladores térmicos, absorvendo o calor e liberando-o mais lentamente, o que ameniza as oscilações climáticas.
Mas talvez o alerta mais grave do professor seja sobre a presença cada vez maior de plásticos nos oceanos. Ele é pesquisador dessa área e estuda os efeitos desses resíduos sobre organismos marinhos. “O problema do plástico é muito sério. A gente já sabe que ele está presente em tudo. A população mundial respira, bebe e come plástico. É algo invisível e silencioso.” Ele explica que os plásticos lançados no ambiente sofrem fragmentação e se transformam em microplásticos, que não são visíveis a olho nu e acabam sendo ingeridos por animais e humanos.

Boa parte desses resíduos vem do consumo urbano. Mesmo quem mora longe do mar contribui com a poluição dos oceanos. “Tudo que é jogado nos rios acaba chegando no mar. A água que percola o solo leva resíduos para o lençol freático, que por sua vez alimenta os rios. E tudo isso deságua no oceano. Ou seja, a poluição é sistêmica.” Além do plástico, há ainda os chamados poluentes emergentes, como a cafeína, remédios, hormônios, anti-inflamatórios e antibióticos, que chegam às águas através do esgoto doméstico e não são filtrados pelos sistemas de tratamento convencionais.
Os impactos sobre a fauna marinha são brutais. Luciano relata que animais como tartarugas ingerem sacolas plásticas achando que são águas-vivas, aves como o guará alimentam seus filhotes com elásticos, e leões-marinhos ficam presos em embalagens plásticas. “Existem dois tipos principais de impacto: os animais que ingerem lixo e os que ficam presos nele. Há pinguins, peixes e outros animais que morrem sufocados ou com deformidades. E quando ingerem plástico, o problema se estende à cadeia alimentar.”

Nos oceanos, existem as chamadas “ilhas de plástico” — grandes acúmulos de resíduos formados pelo encontro de correntes marítimas em regiões conhecidas como giros oceânicos, que concentram o lixo flutuante, principalmente plástico. A mais conhecida fica no Oceano Pacífico, tem área estimada em até três vezes o tamanho da Espanha e é tão expressiva que recebeu o apelido de “O Sétimo Continente”. Atualmente, sabe-se da existência de cinco grandes ilhas de lixo: duas no Pacífico, duas no Atlântico e uma no Índico. Essas formações criaram um ecossistema invasor no mar, com profundidade estimada em até 10 metros. Já se discute, inclusive, a existência de um novo ecossistema: a plastisfera, onde organismos passam a viver sobre o plástico flutuante.
Nos últimos anos, pesquisas têm mostrado que partículas plásticas minúsculas, os chamados microplásticos, podem se acumular em níveis mais altos no cérebro humano do que em outros órgãos, como o fígado e rins. Amostras de cérebro coletadas em 2024 revelaram concentrações surpreendentemente mais altas dessas partículas do que cientistas imaginavam, cerca de 7 a 30 vezes maiores do que as encontradas no fígado ou nos rins.
O professor destaca que uma mudança de hábito, como a separação do lixo doméstico, já faz enorme diferença. “É muito mais prático jogar tudo no mesmo saco, mas se as pessoas tivessem mais consciência e educação ambiental, a quantidade de lixo descartado diminuiria consideravelmente.” Ao final da conversa, o professor reforça que a transformação precisa partir da base. “A mudança tem que vir das pessoas, da educação, do dia a dia. O lixo que jogamos no mar volta para nós.”
Confira alguns pontos abordados pelo professor na entrevista em vídeo:
Ações voluntárias envolvem educação ambiental e projetos de campo

Segundo dados divulgados através da pesquisa realizada pelo Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social (IDIS) em parceria com o Instituto Datafolha no ano de 2021, o Brasil possui cerca de 57 milhões de voluntários ativos com uma média de 18 horas mensais trabalhadas.
Em comparação com a pesquisa anterior do ano de 2011, na última década as ações voluntárias tiveram um aumento significativo, motivados por ações de solidariedade, o estudo considera impactos registrados pela pandemia do Covid-19 e megaeventos esportivos como a Copa do Mundo e Jogos Olímpicos.
Diante dessas mudanças, organizações sociais têm se movimentado para fornecer serviços que auxiliam na desaceleração da crise climática. O trabalho voluntário aparece com o propósito em prol de auxiliar pessoas, comunidades ou organizações por meio de ações miradas no interesse social e comunitário. É através desse tipo de serviço não-remunerado que os envolvidos exercem um compromisso de envolvimento com o bem-estar coletivo da sociedade.

Um exemplo dessa mobilização é o Instituto COMAR (Conservação Marinha do Brasil), fundado no estado de Santa Catarina. Atuando há 17 anos, o grupo de voluntários formado por cinco biólogos fixos, possui o propósito de conservar a biodiversidade marinha e reduzir danos causados nos ecossistemas. A equipe é composta pelos biólogos: Johnatas Adelir Alves (45 anos), Douglas Macali de Souza (38 anos), Diogo Augusto Moreira (43 anos), Leonardo Bueno (39 anos) e Thiago Felipe de Souza (38 anos). Como missão, o Instituto destaca a proposta de facilitar a sobrevivência das futuras gerações.
Entre as iniciativas realizadas pelo COMAR, destacam-se os materiais destinados ao Ecoturismo, atividades em campo com propósito de mapear e coletar informações de organismos bentônicos e nectônicos, além da participação na educação ambiental mediante discussões em políticas públicas, o instituto também é responsável pela realização e gestão de consultorias técnicas. Os trabalhos realizados são feitos principalmente por projetos aprovados por editais ou através do apoio de parceiros como a Secretaria da Educação de Joinville em conjunto ao Núcleo de Educação Ambiental.
Apesar da dedicação na realização do trabalho, mesmo com mais de 18 mil participantes nos projetos e atendendo mais de 60 escolas em quatro cidades (Joinville, Itapoá, São Francisco do Sul e Balneário Barra do Sul), a procura por voluntários é um desafio persistente. Fatores como a falta de recursos e incentivo governamental para projetos voltados para educação ambiental e a negligência sobre os impactos da crise climática.
Em uma entrevista realizada junto ao COMAR, representantes da instituição destacaram as mudanças diretas ocorridas nos ecossistemas locais devido ao agravamento dos efeitos da crise. Além do desmatamento, a poluição e a invasão dos ecossistemas de manguezais são pontos que impactam diretamente na perda de habitats naturais de espécies encontradas nessas áreas e zonas de preservação. “Com esta perda não possui mais área de proteção e assim acaba que movimenta mais a circulação das águas afetadas pelo aumento do nível do mar, acaba invadindo áreas desmatadas”, relatou a Instituição.