
SETE, CORPO-MANIFESTO NAS PISTAS DE JOINVILLE
Por Ana Caroliny de Paula Alexandre e Beatriz Rodrigues
Ao pensar em um DJ, muitas vezes a imagem que nos vem à mente é a de alguém atrás das pick-ups conduzindo festas pela madrugada, mas, em determinados espaços de Joinville, ser DJ vai muito além disso. Numa cidade marcada pelo conservadorismo e pelo orgulho do trabalho nas indústrias, a presença de uma DJ travesti tão expressiva como Sete Doc é mais do que entretenimento, é resistência.
Para Sete, a noite não é somente lazer, é espaço de encontro e expressão. A cena noturna, especialmente em locais marginais e alternativos, historicamente fortaleceu identidades. Para muitas pessoas LGBTQIAP+, esses lugares foram e continuam sendo refúgios de aceitação e resistência. “A pista é onde muita gente consegue ser quem é, sem precisar pedir desculpa por existir”, diz Sete. Marcos da luta queer, como Stonewall, surgiram em contextos noturnos. Ali, corpo, estética, som e afeto se misturam em algo que vai muito além do entretenimento. “A forma como eu consigo gritar é apenas existindo, fazendo do meu corpo a minha tela”, afirma. “Quando eu toco, quero que cada pessoa sinta que existe um lugar pra ela na pista, que ela faz parte daquilo”.
O orgulho por ocupar esses espaços convive com a consciência de que a exclusão ainda persiste. O corpo, a presença e a narrativa pessoal se transformam em material estético e político. Sete questiona como corpos gordos e trans são percebidos. Ela cita o curta-metragem “Corpo Gordo”, que produziu como um dos trabalhos mais importantes da sua vida. “Foi uma coragem que eu não sei de onde tirei. Esse curta é minha obra de arte. Claro que já faz anos e algumas falas eu mudaria pra deixar mais atual, mas foi grandioso poder falar da minha experiência de vida. Antes de ser uma travesti, eu sempre fui gorda. É sobre o que eu falo de melhor, é natural pra mim”.
Solange Alves, amiga e observadora da trajetória de Sete, comenta: “A evolução dela começou quando percebeu que podia colocar nos sets algo que fizesse as pessoas se conectarem com a música e com ela. A marca dela não é só o que toca, mas também a representatividade que traz como mulher gorda e trans. Isso transforma a pista, cria poder visual e hipnotiza quem está dançando”.

Sete conquistou espaço em duas das principais casas da cidade, estabelecendo-se como residente. Cada residência é um marco de reconhecimento. “Ainda é pouco. Precisamos de novas casas pra ter concorrência, ter oportunidades vastas”, avalia Sete.
Sua estética, roupas, gestos e música se fundem em uma linguagem que não precisa de tradução, visto que existir, ocupar e celebrar em plenitude já é uma mensagem. Ao subir no palco, Sete desafia as estruturas que ainda insistem em definir quem pode ou não ocupar determinados espaços.
Se o presente já mostra conquistas importantes, o futuro parece cheio de possibilidades: “Ter meu nome como artista principal em eventos, acredito que seja a principal meta de carreira. E claro, me manter e viver bem com meu ganho sendo artista, sendo a DJ SE7E”, planeja ao falar sobre o futuro. Ela mesma percebe o movimento da cena: “Eu vejo hoje uma expansão de pessoas conseguindo mostrar seus trabalhos, cada um tendo seu tempo pra poder ser grande”. Em Joinville, Sete é um contraponto vibrante à rigidez e ao silêncio que tantas vezes marcam a cidade.