Diversidade e inclusão conquistam a passarela do Miss Joinville
Primeira candidata surda ao concurso Miss Joinville, encara as passarelas e reafirma que acessibilidade é direito e não concessão.
Por Maria Eduarda Ribeiro
Em um universo historicamente comandado por padrões que silenciam a diversidade, Eloiza Ribeiro, aos 27 anos, abriu caminho para outras vozes ao se tornar a primeira mulher surda a concorrer a um concurso de beleza joinvilense.
Quando o assunto é padrão a ideia é clara, mas representatividade e acessibilidade são temas ainda mais importantes. Há pouco mais de 70 anos, o concurso proporciona uma competição acirrada, coroando centenas de candidatas que desfilaram nas passarelas de Joinville. A competição recebe atualmente 28 novas candidatas, que concorrem à 70ª coroa do concurso, que será oficialmente nomeada no dia 15 de outubro no Teatro da Liga.
De acordo com a consultora de beleza Emanoelle Cristine Wormsbecker Choi, a beleza é de fato um componente essencial nas passarelas, e mostra-se cada dia mais inclusiva. No entanto, uma miss não é feita apenas disso. “Sem dúvidas a beleza é importante no concurso. Mas se todas as candidatas forem bonitas, quem vai ganhar?”, questiona a consultora.
Emanoelle cita que o Brasil é um lugar muito mais aberto à diversidade de corpos e pessoas, e que se sente feliz por ver que Eloiza pode além de inspirar, encorajar diversas outras mulheres a fazerem parte disso. “Acredito que não existe certo ou errado. Inclusive, antigamente nós tínhamos como padrão de beleza as mulheres com bastante gordura corporal, embora fosse prejudicial à saúde”, explica.
Ela complementa que a beleza pode variar com a percepção de cada pessoa, e que é algo muito pessoal. “O Miss vai muito além disso. Inclusive, muitas meninas se inscrevem no concurso justamente para trabalhar a auto confiança e outras habilidades.”
Ao valorizar diversos aspectos, o concurso se apresenta como uma experiência mais completa do que apenas um julgamento estético. É inclusão e coragem, que transforma uma simples nomeação, em uma coroa de força e representatividade.
“É inegável como o Miss Joinville tem se tornado cada vez mais assertivo e inclusivo. Acredito que esse movimento é fundamental para mostrar que a beleza vai muito além dos padrões e que cada mulher pode ter o seu espaço”, cita Camilla Souza, Miss Joinville 2024, fotógrafa profissional e modelo.

Contra o capacitismo, a voz da inclusão
Operadora de logística, mãe e surda, Eloiza aceitou os desafios da acessibilidade e transformou obstáculos em oportunidades. Com um ano de idade, os pais de Eloiza descobriram que a filha era surda, e apenas aos 17 anos ela teve seu primeiro contato com a Libras (Língua Brasileira de Sinais), após conhecer uma moça surda que começou a lhe
ensinar. Mas a fluência veio apenas quando namorou um rapaz surdo, tendo mais contato com outros surdos da comunidade.
“No início tive muita dificuldade por conta das limitações, dessa falta de comunicação, mas fui me virando porque eu era oralizada e conseguia ler lábios. A minha família me ajudou muito nesse sentido. Então agora eu consigo graças a eles me comunicar sozinha e me desenvolver sozinha”, conta.
Para realizar a inscrição no concurso é necessário que a candidata passe por algumas etapas. Eloiza cita que teve alguns desafios para se comunicar, mas que se esforçou, optando até por vezes escrever em um papel. Mas mesmo com todas as dificuldades, ela afirma ter ficado muito feliz com a organização do concurso, que providenciou um intérprete desde o início.
De acordo com Eloiza, a representatividade foi um dos pontos mais importantes para que ela se inscrevesse no concurso. “Eu fiquei pensando, nunca vi uma mulher surda que participasse aqui em Joinville. Ai eu falei pra mim mesma, eu decidi, eu quero participar, eu tenho essa coragem. Quero mostrar que as pessoas surdas e as mulheres surdas também são capazes.”
E quando o assunto é capacidade, o preconceito assume o nome de capacitismo, uma forma de preconceito comumente vinda de pessoas sem deficiência, que pré-julgam a capacidade de pessoas com deficiência com base no que acreditam sobre aquela condição. Como a maioria dos preconceitos, o capacitismo pode agir de forma camuflada, sendo até por vezes cultural, sem a verdadeira intenção de discriminar a pessoa deficiente.
“A sociedade olha para uma pessoa com deficiência como um corpo deficiente, um corpo que falta algo e eles acabam aceitando”, explica Kátia Lourenço, intérprete, professora e pesquisadora.
De acordo com o site Hands Talk, uma das principais consequências do capacitismo é a exclusão das pessoas com deficiência, deixando-as vulneráveis por não receberem as mesmas oportunidades de educação e/ou trabalho. Além dos danos psicológicos e emocionais que podem causar o sentimento de não-pertencimento dessas pessoas à sociedade.
“Eu ainda escuto, por exemplo, no caso de um surdo que estiver estudando pedagogia, as pessoas perguntando, como que um surdo vai ser professor?”, conta Kátia. “As pessoas em volta não acreditam, então automaticamente o surdo também não vai acreditar que ele possa.”
Mesmo com todas as dificuldades, Eloiza afirma estar muito feliz em ser a primeira candidata surda ao concurso joinvilense, e deseja inspirar outras mulheres que sonham em fazer parte disso. “A minha mensagem é que a cidade inclua qualquer pessoa com deficiência e não fique com dúvidas sobre a capacidade delas. Mas sim, pergunte: qual é o limite de cada um?”, argumenta. “Também queria que as pessoas com deficiência mostrassem que são capazes, que têm essa coragem de não ficarem acanhadas, com
vergonha, com medo do que vão pensar da gente. Vai tentando, vai lutando, é essa luta que vai perseverar”.
Quando a beleza fala Libras

No dia 25 de julho deste ano, a Want, agência de intérpretes de Libras de Joinville, anunciou o início de sua colaboração com o Miss Joinville, tornando-se apoiadora oficial do concurso.
Segundo Kátia Lourenço, responsável pela agência, a iniciativa veio devido ao surgimento da necessidade de um intérprete para uma das candidatas. Ela afirma que não acompanhava muito o concurso, e a colaboração iniciou um pouco depois da chegada da Eloiza, que já estava inserida nas etapas. “O Ricardo, responsável pelo concurso, entrou em contato comigo. Nós conversamos, vimos o que seria o ideal para a Eloiza e prosseguimos juntos.”
Kátia conta que a Want surgiu a partir de uma junção de acontecimentos, e define sua trajetória com o projeto em apenas uma palavra: propósito. “Sobretudo, o meu lugar em nome da want, é apoiar. Não importa muito onde o surdo está, se um surdo quiser estar ali ele tem o direito de estar.”
Ela afirma ter muitos planos para dar seguimento aos seus projetos e, principalmente, sua parceria com o concurso. Ela espera que a colaboração cause um impacto significativo e positivo nas pessoas, sendo elas deficientes ou não. “A minha expectativa com o Miss Joinville é que a nossa parceria só se fortaleça para que muitas pessoas possam se inspirar com isso”, finaliza Katia.
Uma bandeira, uma comunidade, infinitas vozes

Em julho de 2023 a XXI Assembleia Geral da Federação Mundial de Surdos (WFD) aprovou a nova bandeira da Comunidade Surda, criada pelo artista surdocego francês Arnaud Balard.
O símbolo traz o contorno de uma mão, representando a Língua de Sinais e a união de surdos, surdocegos, CODAs (filhos de pais surdos) e intérpretes.
De acordo com a Universidade Federal do Ceará Clube de Libras UFC, a bandeira é uma representação material que possui o objetivo de trazer mais visibilidade, pertencimento e conscientização para a comunidade. Por um futuro com menos barreiras e mais acessibilidade. “Acessibilidade é você convidar pra festa, mas inclusão de verdade, é você chamar pra dançar”, define Kátia Lourenço, intérprete, professora e pesquisadora.
“Mas se todas as candidatas forem bonitas, quem vai ganhar?” ‐ Emanoelle Choi, Consultora de beleza

