Lei visa garantir segurança para mulheres em espaços eletivos
Por: Maria Luiza Venturelli
Pesquisadora e advogada Juliana Bertholdi explica como a violência política de gênero é identificada no âmbito jurídico
O patriarcado é um sistema social baseado em uma cultura que favorece os homens, principalmente os brancos, cisgêneros e heterossexuais. No sistema patriarcal, prevalecem as relações de poder e domínio dos homens sobre as mulheres e todos os demais sujeitos que não se encaixam com o padrão considerado normativo de raça, gênero e orientação sexual.
Em uma sociedade patriarcal, como é o caso do Brasil, o homem desfruta de uma posição de privilégio e poder social, econômico e político, enquanto a mulher e outros sujeitos que fogem da norma são relegados à submissão e invisibilização. Neste caso, o homem possui melhores oportunidades e benefícios, enquanto as mulheres e grupos marginalizados não recebem os mesmos direitos, além de precisarem cumprir com uma série de obrigações.
Juliana Bertholdi é advogada, formada no Centro Universitário Curitiba (UniCuritiba). Também é professora da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) e palestrante. Doutoranda e mestre em Justiça, Democracia e Direitos Humanos também pela PUC do Paraná, e especialista nas matérias de gênero, direitos humanos e ESG (sigla inglesa para “ambiental, social e governança”).
De acordo com ela, é possível identificar a violência de gênero em inúmeras formas na sociedade brasileira, consequência de uma estruturação patriarcal.
A violência de gênero é a expressão do que é essa violência patriarcal que as mulheres experimentam em todos os outros espaços, mas fica mais evidente no espaço político por algumas razões. “A política é um espaço de muita publicidade, então as mulheres sofrem a violência não só de quem está naquele espaço, mas também de toda a sociedade”, explica a pesquisadora.
Em 2015, um adesivo para carros com uma montagem infeliz da ex-presidente Dilma Rousseff de pernas abertas circulou pela internet. Na ocasião, o produto estava disponível no site do MercadoLivre, que retirou o anúncio do ar após considerar que ele poderia configurar crime.
“O conteúdo poderá configurar difamação, conforme previsto no artigo 140 da Lei do Código Penal: ‘Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro’. Desta forma, a denúncia foi aceita, pois o anúncio realizado está contrário aos Termos e Condições de Uso do MercadoLivre e foi retirado do ar”, informou a empresa em nota.
Com 60 por 40 centímetros, o adesivo foi produzido com a intenção de ser colado na entrada do tanque de gasolina dos carros. Quando abastecidos, a ideia que seria passada era que a bomba estaria penetrando sexualmente a presidente.
Na época, pessoas alegaram que o adesivo servia como uma forma de protesto contra o aumento do preço da gasolina. Muitos, porém, mesmo se colocando politicamente contrários ao governo Dilma, avaliaram o adesivo como de mau gosto.
De acordo com Juliana, o espaço político acumula todas as violências de gênero sofridas em outros espaços, mais a questão das ofensas serem praticadas em um campo de disputas. Ela explica que o campo de disputas políticas é de muita animosidade e nos últimos anos isso pode ser observado mais claramente.
Para ela, a violência de gênero é experimentada em todos os espaços sociais de uma sociedade patriarcal. No espaço político, ela pode ser identificada de todas as formas que se caracteriza nos outros espaços: através de atitudes machistas, violência, assédio sexual e assédio moral, por exemplo.
Conforme o Instituto Maria da Penha, estão previstos cinco tipos de violência doméstica e familiar contra a mulher na Lei Maria da Penha. A lei é a principal legislação brasileira para enfrentar a violência contra a mulher e reconhecida pela ONU como uma das três melhores legislações do mundo no enfrentamento à violência de gênero.
De acordo com o instituto, dentre as violências, estão a agressão física, psicológica, moral, sexual e patrimonial:
“Dentro da política, que já é um espaço de disputas, acontecem muitas vezes a tentativa de disfarçar essa violência de gênero como uma crítica política, quando na verdade ela é somente uma violência de gênero”, declara a pesquisadora. Essas formas de agressão são complexas, perversas, não ocorrem isoladas umas das outras e têm graves consequências para a mulher.
Juliana destaca que não é preciso haver agressão física para que a violência política de gênero seja considerada crime. A violência pode, ainda, ter características econômicas ou simbólicas, como a falta de financiamento em campanhas políticas, as fraudes eleitorais envolvendo as cotas femininas ou tentativas de calar, ridicularizar ou minimizar causas defendidas pelas mulheres.
O que diz a lei?
A Lei 14.192/21, de 4 de agosto de 2021, foi sancionada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro e estabelece normas para prevenir, reprimir e combater a violência política contra a mulher durante as eleições e no exercício de direitos políticos e de funções públicas.
Oriunda do Projeto de Lei 349/15, da deputada Rosângela Gomes (Republicanos-RJ), o texto foi aprovado pela Câmara dos Deputados em dezembro de 2020 e pelo Senado Federal em julho de 2021.
A lei estabelece que violência política contra a mulher é “toda ação, conduta ou omissão com a finalidade de impedir, obstaculizar ou restringir os direitos políticos das mulheres”, além de atos que levem à “distinção, exclusão ou restrição no reconhecimento, gozo, ou exercício de seus direitos e suas liberdades políticas fundamentais, em virtude do sexo”.
Ainda de acordo com a norma, é crime “assediar, constranger, humilhar, perseguir ou ameaçar, por qualquer meio, candidata a cargo eletivo ou detentora de mandato eletivo, utilizando de menosprezo ou discriminação à condição de mulher ou à sua cor, raça ou etnia, com a finalidade de impedir ou de dificultar a sua campanha eleitoral ou o desempenho de seu mandato eletivo”.
Caso transgredida, a pena é de um a quatro anos de reclusão, além da multa. A punição aumenta em um terço se tiver como vítima uma mulher gestante, com idade acima de 60 anos ou portadora de alguma deficiência.
A discriminação pela condição de mulher, cor, raça ou etnia também passa a ser um majorador da pena nos casos de calúnia, injúria e difamação. A lei protege tanto a mulher cis quanto transgênero.
De acordo com Juliana, a lei de violência de gênero, que incluiu um novo tipo penal na sistemática eleitoral, trata sobre uma situação muito específica, que é a violência de gênero na propaganda eleitoral durante o período eleitoral. Ela é essencial pois traz para os crimes uma consequência, inclusive do ponto de vista criminal, com a pena que se aproxima dos crimes de menor potencial ofensivo.
Um estudo feito em 2022 pelo Instituto AzMina, um veículo jornalístico focado na cobertura de temas diversos com recorte de gênero, mostra que as presidenciáveis Simone Tebet (MDB) e Soraya Thronicke (União Brasil) foram alvo de pelo menos 5.246 ofensas no Twitter após participarem de um debate realizado pela Band, Folha, UOL e TV Cultura, em agosto do mesmo ano.
O levantamento foi feito em parceria com o InternetLab, um centro independente de pesquisa interdisciplinar que promove o debate acadêmico e a produção de conhecimento nas áreas de direito e tecnologia, sobretudo no campo da Internet. Com parceria também do Núcleo Jornalismo, uma iniciativa que cobre o impacto das redes sociais nas vidas das pessoas, explorando desde os meios tradicionais de produção jornalística até novos formatos de conteúdo e tecnologia.
O estudo levou em consideração apenas as publicações que marcavam as contas dos candidatos no Twitter, ou seja, que promoviam ataques de forma direta e explícita. O MonitorA, observatório de violência política online do Instituto AzMina, analisou as publicações que foram ao ar entre 28 e 29 de agosto, respectivamente o dia do debate e o dia seguinte a ele.
Ao todo, as duas candidatas foram citadas diretamente em 63.863 manifestações no Twitter. A maior parte das menções foi feita em resposta a postagens de autoria das próprias candidatas. Da soma de publicações, cerca de 8% eram ofensivas, com frases como “não aguenta uma paulada no debate sem apelar para esse mimimi feminista” e “que nojo de mué como você”, foram publicadas.
As críticas também taxaram de vitimistas as candidatas que citaram o feminismo ou questões como igualdade de gênero e combate à violência contra a mulher em seus discursos. Na análise, foram recorrentes as tentativas de desqualificação, descrédito intelectual e ofensas morais, além de tweets que demonstram “nojo” ou que desumanizam as candidatas. Neste aspecto, as palavras que mais apareceram foram “jumenta” e “onça”.
De acordo com Juliana, são situações de ofensas como essas que a lei ajuda a combater, especificamente na propaganda. “A gente viu muito conteúdo em que ao invés de atacar a posição política da candidata, partia-se para ofensas pessoais. Ter um controle da propaganda eleitoral, para que ela não seja extremamente machista e misógina é muito importante e é muito bem vindo, essas propagandas eleitorais ofensivas não podem mais ser toleradas”, explica a advogada.
No dia 8 de março de 2023, Dia Internacional da Mulher, o deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) vestiu uma peruca durante discurso na tribuna da Câmara dos Deputados. Ele falou que se sentia uma mulher transsexual e, por isso, teria “lugar de fala” na data.
“Hoje, o Dia internacional das mulheres, a esquerda disse que eu não poderia falar, pois eu não estava no meu local de fala. Então, eu solucionei esse problema aqui. Hoje eu me sinto mulher. Deputada Nikole”, disse o deputado enquanto colocava uma peruca amarela.
O caso não foi o primeiro em que Nikolas Ferreira disparou ofensas transfóbicas. Em abril de 2023, o TJMG (Tribunal de Justiça de Minas Gerais) condenou Nikolas por danos morais contra a deputada Duda Salabert (PDT). O juiz determinou o pagamento de uma indenização de R$ 80 mil e das custas processuais.
O parlamentar respondia por injúria racial após se referir a deputada e mulher trans com pronomes masculinos. “Ele é homem. É isso o que está na certidão dele, independentemente do que ele acha que é”, afirmou o deputado em uma entrevista em dezembro de 2020, quando ambos eram vereadores de Belo Horizonte.
Após a declaração, a então vereadora entrou com uma ação por injúria racial e indenização por danos morais, julgada procedente pelo TJMG. “Se as pessoas transgênero têm direito de se apresentar à sociedade da forma como se enxergam, logo, também têm direito de ser tratadas e respeitadas por terceiros de acordo com sua identidade de gênero. A negativa de reconhecimento da identidade de gênero configura, portanto, ato ilícito passível de responsabilização por dano moral”, diz trecho da sentença.
Em 2022, pela primeira vez, o Congresso Brasileiro elegeu mulheres transsexuais. As deputadas federais Erika Hilton (PSOL -SP) e Duda Salabert (PDT-MG), e as deputadas estaduais Linda Brasil (PSOL) e Dani Balbi (PCdoB), são as primeiras mulheres trans a ocupar uma cadeira na Câmara dos Deputados e as assembleias legislativas de Sergipe e do Rio de Janeiro.
Em Santa Catarina, porém, o cenário é ainda menos inclusivo: o estado nunca elegeu uma mulher trans. Na última eleição municipal em 2020, foram 12 candidatas trans, todas para vagas de vereadora. O número representa 0,06% do total de candidaturas para o cargo em Santa Catarina.
A razão disso é a violência que mulheres transgênero sofrem diariamente em diferentes espaços, inclusive na política. São olhares, palavras, agressões e xingamentos que acanham e machucam aquelas que buscam ter voz.
Em 2020, Mariana Franco (PCdoB), mulher trans e candidata à vereadora em Florianópolis, passou por um caso claro de violência política de gênero e transfobia. Foram os amigos da candidata que lhe alertaram da existência de um perfil com seu nome no aplicativo de relacionamentos Tinder. Como ela não usava essa rede, foi investigar. A descrição do perfil falso dizia que ela era atriz de filmes adultos e insinuava que era “acompanhante”.
Já Lirous K’yo Fonseca Ávila foi candidata a deputada federal de Santa Catarina nas eleições de 2022 pelo PT. A mulher recebeu inúmeros ataques pelas redes, principalmente de perfis falsos. No caso dela, o principal alvo de ataque foi sua identidade de gênero.
Lei ainda é recente
De acordo com Juliana, a lei de combate à violência política contra a mulher ainda é relativamente recente, por ter entrado em vigor apenas em agosto de 2021, o que pode fazer com que a denúncia recorrente de casos demore a acontecer. “Apesar de colocar algumas hipóteses, eu confesso que no meu exercício profissional ainda não vi muitos processos envolvendo essa legislação para eu poder dizer que os processos realmente existiram e resultaram em determinada pena”, resume a advogada.
Ela usa o exemplo da lei nº 13.104/2015, que tornou o feminicídio um homicídio qualificado e o colocou na lista de crimes hediondos, com penas mais altas, de 12 a 30 anos. Segundo ela, depois que a lei foi sancionada, houve uma pausa de um ano ou dois até começaram a aparecer feminicídios no país, não porque eles não existiam, mas porque as pessoas não tipificavam como feminicídio e sim como um homicídio. “Neste tipo de legislação costuma acontecer um delay. Imagino que nos próximos anos a gente comece a ver um pouco mais o uso da lei de violência política de gênero.”
Juliana explica que o artigo 326-B, que diz que “assediar, constranger, humilhar, perseguir ou ameaçar, por qualquer meio, candidata a cargo eletivo ou detentora de mandato eletivo, utilizando-se de menosprezo ou discriminação à condição de mulher ou à sua cor, raça ou etnia, com a finalidade de impedir ou de dificultar a sua campanha eleitoral ou o desempenho de seu mandato eletivo”, fala em violência política em virtude da condição de mulher, com a finalidade de dificultar o período eleitoral ou o exercício do mandato.
Porém, ainda de acordo com ela, esse artigo está inserido no contexto de campanha eleitoral, e por conta de razões principiológicas do direito penal, muitas pessoas entendem que ele não pode ter uma aplicação extensiva para fora do período eleitoral.
“Se essa tipificação pudesse ser aplicada fora do período eleitoral, ela já auxiliaria as mulheres a conseguir o exercer o mandato eletivo com mais segurança”, resume a profissional. Ela diz que é necessário aguardar para averiguar como esse artigo será interpretado, e se será entendido que de fato pode ser aplicado fora do período eleitoral, por conta da parte da lei que cita o desempenho do mandato eletivo.
Juliana também ressalta que mulheres que têm uma vida política ativa, mas estão fora do mandato, não são amparadas pela lei, como é o caso da ex-deputada federal Manuela D´Ávila (PCdoB). Em agosto de 2022, ela denunciou ataques e ameaças de morte que sofreu pela internet. A ex-parlamentar divulgou um print, no qual ela é xingada, ameaçada de morte e estupro. Os ataques incluem ainda ameaças à filha, de seis anos.
Na postagem, Manuela diz que “ser uma mulher pública no Brasil é ser ameaçada permanente”. A ex-parlamentar também já relatou ter sido agredida com sua filha no colo, quando era ainda bebê. Em 2020, quando ficou em segundo lugar nas eleições municipais e tentava a Prefeitura de Porto Alegre, chegou a denunciar à polícia que sua filha tinha sido ameaçada de morte.
“A Manuela D’ávila é uma política bastante expressiva do Brasil, uma pessoa política, mas não está exercendo o mandato e não está em campanha eleitoral. Se ela sofre uma violência política partidária, eu entendo que ela não está acobertada pelo artigo, então a gente precisa pensar nessa proteção para que mulheres, ainda que não estejam no exercício do mandato, apenas construindo o nome político por exemplo, também recebam tutela do poder público”, resume a pesquisadora.
Ela ressalta que não conhece nenhum projeto de lei que vise expandir essa proteção para mulheres que tem uma atuação política, atuação sindical, ou liderança social, cargos que, apesar de não serem eletivos, também são de atuação política.
“Eleger uma mulher pode custar até 3 vezes mais caro do que eleger um homem”
Um dos exemplos que Juliana costuma citar na hora de discorrer sobre a violência política de gênero é uma pesquisa da professora da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Luciana Panke, que indica que eleger uma mulher pode custar até três vezes mais caro do que eleger um homem.
Normalmente, os votos das mulheres já custam mais caro que os dos homens por razões como a falta de apoio partidário. No entanto, muitas vezes também são indicativos de que parte das verbas para campanhas femininas pode ter sido desviada e usada para promover candidatos homens.
O número de mulheres que se candidataram nas eleições de 2022 é o maior das últimas três eleições gerais. A participação feminina, em porcentagem, também é maior em 2022 na comparação com 2018 e com 2014. Os dados constam no registro de candidaturas do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Parte disso se deve a Emenda Constitucional 117 (originária da PEC 18/21), que obriga os partidos políticos a destinar no mínimo 30% dos recursos públicos para campanha eleitoral às candidaturas femininas, distribuição que deve ser proporcional ao número de candidatas.
A cota vale tanto para o Fundo Eleitoral como para recursos do Fundo Partidário direcionados a campanhas. Os partidos também devem reservar no mínimo 30% do tempo de propaganda gratuita no rádio e na televisão às mulheres.
Para Juliana, a destinação de uma porcentagem do fundo de campanha para as campanhas femininas é uma forma de tentar aplacar a violência política contra elas. Ela enxerga como uma forma de tornar as candidaturas, mas que aparentemente não está sendo suficiente.
“Custa mais caro eleger uma mulher porque é necessário fazer mais propagandas. Uma mulher precisa se provar mais, e isso é um problema social e estrutural, Uma mulher precisa se provar três vezes mais para alcançar um cargo eletivo e isso tem um custo. Então sem dúvidas é uma violência política, que só pode ser resolvida com educação, evolução social e outros aspectos”, resume a pesquisadora.
Violência política contra mulheres no meio digital
Entre julho e dezembro de 2021, o Laboratório de Pesquisa em Comunicação, Culturas Políticas e Economia da Colaboração (coLAB) da Universidade Federal Fluminense fez uma análise multiplataforma a respeito de manifestações da violência política de gênero no Twitter, Facebook, Instagram e YouTube. O objetivo era identificar a intensidade, o tipo e as variáveis das manifestações.
Os pesquisadores responsáveis (Letícia Sabbatini, Viktor Chagas, Vinicius Machado Miguel, Gabriela Rezende Pereira e Sabrina Dray) coletaram mais de 4 milhões de mensagens neste período, que mencionaram 91 parlamentares (79 deputadas federais e 12 senadoras).
Em 9% das menções de todas as plataformas foram identificados conteúdos violentos, mas o Twitter liderou ao se analisar cada rede de forma específica, apresentando 24% das mensagens com violência discursiva. Apesar de o Twitter ter mais ofensas,no Facebook, os números de interações, curtidas, comentários e compartilhamentos são maiores quando se trata de um material ofensivo.
O relatório também busca compreender o nível de ofensividade das mensagens, desde críticas até ameaças. De acordo com a pesquisa, o insulto (41% dos ataques), a invalidação (26,6%) e a crítica (24,5%) são os modos de ataque mais acionados, somando mais de 90% das mensagens ofensivas que circulam nas redes sociais.
Além disso, os pesquisadores identificaram que os agressores utilizam na maior parte das vezes a retórica satírica para ofender. Dos conteúdos violentos, 30,9% usavam do humor, 22,3% desqualificaram as parlamentares e 15,8% contestavam a posição delas.
Conforme explica Juliana Bertholdi, existem algumas formas de análise jurídica dos crimes de violência política de gênero que acontecem na internet, um exercício chamado de hermenêutica. No direito, essa é a ciência que criou as regras e métodos para interpretação das normas jurídicas, fazendo com que elas sejam conhecidas com seu sentido exato e esperadas pelos órgãos que a criaram.
Toda norma jurídica deve ser aplicada em razão do todo do sistema jurídico vigente, e não depende da interpretação de cada um, ela deve estar vinculada aos mandamentos legais de uma sociedade.
De acordo com a advogada, crimes comuns contra a honra praticados na internet têm um aumento de pena significativo, pois entende-se que a capacidade de propagação daquele conteúdo é muito mais alta do que se aquilo tivesse sido realizado ao vivo ou em qualquer outro espaço. Este aumento não se aplica a todos os crimes eleitorais, sendo assim, nem sempre tipificar dentro do espaço eleitoral vai trazer uma resposta mais severa do poder público.
Além disso, ela ressalta a responsabilidade de empresas como Twitter e Facebook a respeito do conteúdo de ódio veiculado em suas plataformas. A questão é regulada pelo artigo 19 do Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014), que estabelece as circunstâncias em que um provedor de aplicações de internet (como as plataformas de redes sociais) pode ser responsabilizado civilmente por danos causados por conteúdo publicado por terceiros.
De acordo com o texto legal, os provedores só poderão ser responsabilizados nos casos em que, após ordem judicial específica, não removerem em tempo hábil conteúdo apontado como ilícito. No direito, o estudo “empresas e direitos humanos”, busca entender o que essas plataformas têm de responsabilidade em relação a propagação de machismo, violência política, racismo, misoginia e ofensas como um todo nesses espaços.
“Existe uma preocupação não apenas de olhar para o agressor e entender que ele não pode praticar a violência, mas também olhar para a empresa e entender como ela pode ser responsabilizada por não controlar a plataforma da maneira adequada”, resume a advogada.
O ódio em plataformas digitais costuma render muitas curtidas e comentários, gerando um alto engajamento, que consequentemente rende lucro. Sendo assim, resta refletir: é ético que redes sociais continuem lucrando com discursos de ódio e casos de violência política de gênero? Juliana defende que esses espaços precisam de regulamentação para que se tornem saudáveis e para que conteúdos negativos não se propaguem de maneira tão fácil.
Como denunciar?
Nas eleições de 2022, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) lançou um canal específico para receber relatos e denúncias de violência política de gênero praticada contra as mulheres candidatas. É possível realizar denúncias na página principal do Portal do Tribunal.
A iniciativa é fruto de um acordo entre o TSE e a Procuradoria-Geral Eleitoral (PGE), firmado no primeiro dia de agosto de 2022 para atuação conjunta no enfrentamento da violência política de gênero.
Ao final da página principal do Portal do TSE, basta procurar pelo ícone localizado à esquerda: “Denuncie a violência política de gênero”. Ao clicar no link que consta da página, é possível fazer a denúncia. O formulário a ser preenchido solicita algumas informações pessoais e a descrição da denúncia.
Segundo o TSE, os relatos enviados são repassados às plataformas digitais parceiras da Corte Eleitoral no Programa de Enfrentamento à Desinformação. Elas avaliam se o alerta se enquadra em violações nos termos de uso de suas plataformas para rápida contenção do impacto provocado pela disseminação desses conteúdos na internet.
Os relatos recebidos também poderão ser encaminhados ao Ministério Público Eleitoral e demais autoridades para adoção das medidas legais cabíveis. Além da própria vítima, qualquer outra pessoa, partido político ou instituição que tenha conhecimento da existência da prática contra a mulher pode, verbalmente ou por escrito, comunicar a ocorrência as autoridades.
Acadêmica da 8ª fase do curso de Jornalismo.
Segunda reportagem da série Por Todas Nós (Projeto Experimental)