Santa Catarina implementa LIBRAS como primeira língua para surdos nas escolas estaduais
Nova lei busca assegurar que alunos surdos tenham uma educação de qualidade com a Língua Brasileira de Sinais como base
Por Éllen Gerber
O governo de Santa Catarina sancionou, em 29 de julho, a Lei 173/2024, que torna obrigatória a oferta da Língua Brasileira de Sinais (Libras) como primeira língua para alunos surdos na rede estadual, da educação infantil ao ensino superior. O ensino da Língua Portuguesa escrita será a segunda língua, com o objetivo de promover uma educação bilíngue e a inclusão dos alunos, garantindo acesso ao conteúdo educacional em sua língua nativa.A comunidade surda no Brasil é diversa, composta por pessoas que se comunicam por Libras, aqueles que utilizam a língua portuguesa e os bilíngues, que compreendem os dois idiomas. Oficialmente reconhecida como língua de instrução pela Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002, a linguagem de sinais possui sua própria gramática e estrutura, diferenciando-se do português. Como língua visual-espacial, utiliza sinais, expressões faciais e o espaço ao redor para transmitir significado, refletindo sua riqueza e complexidade.Segundo o censo de 2010 do IBGE, 9,7 milhões de brasileiros têm deficiência auditiva, e cerca de 2,7 milhões apresentam deficiência severa ou profunda, podendo ter Libras como principal meio de comunicação.
A comunidade surda, segundo a Lei, contempla:
- Pessoas surdas;
- Pessoas surdocegas;
- Pessoas com deficiência auditiva sinalizante;
- Pessoas surdas com altas habilidades ou superdotação;
- Pessoas com outras deficiências associadas à surdez.
Desafios da comunidade surda
Apesar dos avanços e a conquista da lei, ainda há resistência à inclusão de Libras em muitas escolas. Lisiane Vandebruck, mãe da Yasmin de 10 anos, conta que a filha, que nasceu com deficiência auditiva severa bilateral, foi submetida a uma prova oral na escola e tirou zero. Ela relata a frustração de ver a filha ser avaliada de uma maneira que não leva em conta sua condição e destaca a falta de preparação da escola para lidar com a inclusão de alunos com deficiência auditiva. Os desafios não são destacados somente na história da pequena Yasmin. Dayane Gomes, de 31 anos, profissional de RH e atriz, relembra as dificuldades de ser a única surda em uma sala de ouvintes: “A escola foi muito difícil para mim, pois eu vivia sozinha com todos os ouvintes”. Na 5ª série, a atriz ingressou em uma sala bilíngue e depois retornou à turma de ouvintes com um intérprete, destacando a importância desse apoio em sua formação escolar. Adriana Klug é intérprete há mais de 20 anos e ressalta que os obstáculos vão desde a falta de comunicação dentro da própria família até a ausência de intérpretes nas empresas que contratam apenas pela cota. Ela relata casos críticos como de um surdo que faleceu devido ao uso incorreto de medicamentos. Em um caso ainda mais grave, um surdo foi acusado de abuso devido à falta de compreensão. “É de suma importância o trabalho do intérprete. A ponte entre as pessoas que não usam libras e os surdos”, explica.
Expectativas com a nova lei
Clery Dreher, professora universitária de libras, intérprete e tradutora há quase 30 anos, fala sobre as expectativas da nova lei. “Eu tô otimista que agora vai funcionar. É uma boa iniciativa, mas o método precisa ser eficiente para que tenha continuidade”. Clery conta que dedicou a vida profissional aos surdos e reflete sobre empatia: “Precisamos colocar em primeiro lugar o ser humano e não sua característica. Precisamos conviver ali juntos e ter esse respeito com a comunidade surda, com a cultura deles que é diferente da nossa”.A luta por direitos e a promoção da cultura surda têm sido contínua, com organizações e associações desempenhando um papel indispensável na defesa dos surdos. Paulo Sérgio Suldóvski, Presidente do Conselho Estadual dos Direitos da Pessoa com Deficiência – CONEDE/SC, destaca a importância de discutir leis de acessibilidade nos conselhos representativos de pessoas com deficiência antes da aprovação. Ele expressa o receio do Conselho de que a medida se torne “lei de gaveta”. Paulo diz que os surdos já têm esse direito garantido pela Lei Brasileira de Inclusão e pela Convenção das Nações Unidas, e que essa nova lei vem para reforçar esses direitos.Diante da implementação da nova lei, a Secretaria de Estado da Educação pretende garantir os recursos necessários adequados para as escolas e para os profissionais atuantes. “Foram realizadas ações ao longo deste ano para alinhar estratégias que melhorem a oferta do ensino aos estudantes surdos. Além disso, para auxiliar os profissionais que atuam nas escolas estaduais e contribuir com o processo de formação contínua são oferecidas capacitações anuais específicas para esses profissionais”, explica a Secretaria.Entre as ações, também estão o levantamento de estudantes surdos nos municípios e a contratação de profissionais especializados. “Estamos conduzindo um levantamento de estudantes surdos em todos os municípios do Estado para qualificar a oferta do atendimento”, afirma a Secretaria. A capacitação de professores também é uma prioridade, mas o principal desafio é a falta de profissionais habilitados para atender à demanda.