Apolinário Ternes: “memórias de um tempo estranho”
Escritor joinvilense relembra do tempo em que escrevia crônicas para a coluna do Teclados Sem Censura, em A Notícia
Dyeimine Schlindwein
“Memórias de um tempo estranho”, assim traduziu Apolinário Ternes ao recordar do tempo em que ele escrevia crônicas para a coluna Teclados Sem Censura, em A Notícia. Não ficção foi o gênero que o jornalista escolheu para narrar fatos que ocorreram durante a ditadura militar e do pós-regime.
Em 1972, com aprovação do diretor de redação Nerval Pereira, Ternes manteve por quase dois anos a coluna “Teclados Sem Censura”, onde publicou cerca de 900 crônicas em espaço nobre.
A proposta foi bem recebida, na medida em que as crônicas ofereciam aos leitores textos diários que visavam comentar de forma informal os novos ângulos do cotidiano. Com o surgimento de uma coluna com modos e meios diferentes de fazer jornalismo, rapidamente se transformou no espaço mais procurado pelos leitores de todas as gerações.
“A começar pelo título, ousado e agressivo num momento em que a ditadura militar exercia pleno controle da imprensa em todo o país, Teclados Sem Censura surgiu como uma proposta destinada a durar muito pouco tempo”, relembra o cronista.
Ternes escrevia crônicas sobre “as estripulias da alma”, filmes e livros que circulavam na cidade, sobre as “peregrinações pela noite” e as paixões amorosas de homens e mulheres que buscavam o entendimento mútuo.
“A coluna tinha uma personagem chamada Mônica, com a qual o cronista trocava cartas faiscantes de saudade, mostrando que o exílio da moça, em algum canto do planeta, alucinava o cronista em dilacerante espera. Quando publiquei ‘Carta a uma determinada mulher’, choveram respostas de várias partes de Santa Catarina, todas mostrando que a mulher imaginária vivia sim, em tal e tal cidade”, recorda.
Apesar do cenário nacional de “cinza-chumbo”, Apolinário conta que a coluna não chegou a sofrer nenhuma intervenção, recomendação ou limitação dos militares. A censura direta, com censor presente na redação, só ocorria nos grandes jornais do país, como o Correio da Manhã, Estadão, O Globo, Folha, Veja e em tabloides de humor, como O Pasquim. No resto do país, a censura era fiscalizada através do telefone, com oficial do Exército informando ao diretor de redação que tais e tais assuntos não deveriam ser publicados.
“Assim tocava a música e assim dançava o povo, jornalistas incluídos. Foram mais de dez anos de censura plena, movida pelo mais translucido medo de eventual prisão e de suas consequências inevitáveis como tortura, perseguição e múltiplas paranoias. Foi nesse clima que a coluna Teclados Sem Censura pairou por quase dois anos, sem nenhum tipo de intervenção.”
Ternes comenta que as crônicas eram diagramadas em duas colunas, com cerca de 30 centímetros de altura, sempre no mesmo lugar e assinadas em nome de: Apoliter. Abaixo do logotipo da coluna, diariamente se aplicava o numeral correspondente a ordem de edição, de forma que os leitores podiam colecionar apenas as crônicas.
“Cabe dizer que a crônica constituía um dos pontos fortes do jornalismo brasileiro, ainda que com pouco destaque na imprensa local, foram 900 crônicas publicadas e muitas comentadas, às vezes por vários dias. As cartas de amor, sempre estiveram entre as mais lidas e as de cunho filosófico também.”
O espaço Teclados Sem Censura foi interrompido em 1974. Um ano antes de publicar a última crônica, Apolinário foi convidado a ocupar o cargo de Assessor de Imprensa da Prefeitura de Joinville, no governo de Pedro Ivo Campos.
Ternes atualmente é membro da Academia Catarinense de Letras e da Academia Joinvilense de Letras, onde escreve crônicas e não ficção. Em 2005 recebeu o título de Cidadão Benemérito de Joinville e a Medalha Anita Garibaldi, do governo de Santa Catarina.