Descendentes italianos em Joinville mantêm viva a tradição e a cultura
Da agricultura às festas, a presença italiana segue marcando a identidade de Joinville.
Por Priscila Pereira
Cerca de 25 % da população da cidade é descendente de italianos. Da travessia transatlântica às festas comunitárias, a herança italiana em Joinville se revela na agricultura, na gastronomia e nas memórias de famílias que enfrentaram dificuldades, mas mantiveram vivas suas tradições.
As travessias, promessas e adaptações
De acordo com o Arquivo Público de Santa Catarina, a imigração italiana para o estado começou em 1875, com auge entre 1885 e 1894, quando 8.941 italianos desembarcaram. O censo de 1920 registrava 8.062 imigrantes nascidos na Itália vivendo em SC, cerca de 1,4 % do total brasileiro.
Em Joinville, segundo o Arquivo Histórico de Joinville (AHJ), chegaram famílias vindas principalmente do Vêneto, Trentino, Lombardia e Emilia-Romagna, atraídas por promessas de terras, ferramentas, escola e assistência religiosa. Conforme destaca a historiadora Maria Thereza Elisa Böbel no livro “Joinville: Os Pioneiros”, a realidade foi bem diferente: floresta fechada, poucos recursos e um cotidiano de dificuldades.
É nesse contexto que se inserem histórias como a da família de Ricardo Prade, representante comercial que nasceu em Ascurra, mas vive em Joinville desde os anos 1980. Seu bisavô saiu da província de Belluno e partiu de Gênova em dezembro de 1885, chegando ao Rio de Janeiro em janeiro de 1886. “O que a gente sabe é que eles foram enganados. Prometeram terra, ferramentas, comida e escola, mas encontraram mata virgem e pouquíssimas condições”, relembra.
Vida dura, mas enraizada
Os italianos se espalharam por diferentes regiões de Joinville. Muitos se estabeleceram em áreas rurais, como Vila Nova e Pirabeiraba, onde o cultivo do arroz se tornou uma marca identitária. Outros migraram para a cidade, atuando como pedreiros, carpinteiros, sapateiros e pequenos comerciantes.
Para Terezinha Vêmiane, dona de casa e descendente de italianos, a memória dos avós é marcada pela luta: “Eles vieram de embarcação, a viagem foi longa e sofrida. Chegaram acreditando nas promessas, mas nada do que falaram se cumpriu. Tudo que conquistaram foi com muita dificuldade. Construíram suas casas de madeira, carroças e, aos poucos, foram se misturando com brasileiros, portugueses e outros imigrantes.”
A fala de Terezinha traduz uma experiência coletiva: a chegada cheia de ilusões, a adaptação difícil e, ao mesmo tempo, a resiliência em transformar a terra e se integrar à comunidade.
Tradições que ecoam até hoje

A presença italiana não está apenas nos arquivos ou nos relatos de famílias, mas no cotidiano de Joinville. A culinária carrega pratos como polenta, tortei e sopa de agnolini, além do vinho artesanal. A arquitetura preserva casas de pedra e telhados inclinados. E a tradição oral manteve por muito tempo o dialeto talian, que aos poucos foi substituído pelo português.
Mas, acima de tudo, a cultura se revela no modo de viver. “Italiano é alegre, gosta de festa, de amizade. Se vai para uma festa, ela só termina no outro dia”, diz Terezinha, com um sorriso. Ela também lembra dos casamentos de três dias, conhecidos como quebra cacos: “Na sexta começava a festa, no sábado era o casamento e só terminava no domingo, com muita comida que ainda sobrava.”
Essas lembranças atravessam gerações e são reforçadas por eventos comunitários que continuam reunindo descendentes e mantendo vivas as tradições.
VinVeneto: tradição viva em Joinville

Criada em 1990, a VinVeneto se tornou a principal festa italiana de Joinville. Realizada inicialmente até 2003, depois transformada em baile no Clube Glória, voltou em 2023 com sua 16ª edição, reunindo gastronomia, música, dança e memórias.
Segundo reportagem do O Município Joinville, a festa busca valorizar as famílias descendentes, com pratos típicos, vinhos e apresentações culturais que remetem à Itália. Para Ricardo Prade, que já foi diretor do evento, a VinVeneto é mais que um encontro: “Eu participei de quase todas as festas e fui diretor em uma das edições. A retomada em 2023 foi emocionante. É a continuidade de uma história que precisa ser contada.”
Terezinha Vêmiane também se emociona ao falar da festa. Para ela, a VinVeneto é um elo entre passado e presente: “Quando vi a dança italiana, os passinhos dos jovens, os sorrisos, chorei lembrando dos meus pais dançando. Foi como reviver um pedaço da minha infância.”
Mais que gastronomia e dança, a VinVeneto reafirma a importância da imigração italiana em Joinville. É a prova de que tradição, cultura e memória se renovam a cada geração, mantendo viva uma herança que faz parte da identidade da cidade.
A imigração italiana em Joinville revela a trajetória de famílias que enfrentaram promessas não cumpridas, mas conseguiram transformar dificuldades em cultura, trabalho e identidade. Entre documentos históricos, lembranças familiares e festas como a VinVeneto, a herança italiana segue presente na vida da cidade de Joinville.
